sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Poderia ter sido diferente

A primeira mobilização pelo pagamento de royalties sobre a exploração de petróleo na costa do Norte Fluminense (na recém batizada Bacia de Campos),foi numa tarde no final dos anos 70. A data exata não me lembro, mas ficou na memória a imagem de uma multidão que se aglomerou na praça do Santíssimo Salvador para ouvir os oradores capitaneados pelo prefeito de então, Raul Linhares, que ocuparam as sacadas do Solar do Barão de Araruama, que era a sede da Biblioteca e Câmara Municipal. Eu, estudante do Liceu, estava lá. Nascia ali uma luta pelo que seria era uma indenização (royalties, em inglês) pelo ouro negro descoberto há pouco tempo no litoral da região.
Alguns anos depois, precisamente em 27/12/1985, eu também estava lá. Desta vez como repórter do jornal A Notícia, para a cobertura do ato de assinatura da Lei dos Royalties (uma palavra estranha, desconhecida da maioria dos campistas e ainda grafada entre aspas pela imprensa local, ciosa em proteger a língua pátria dos estrangeirismos). Novato na profissão, a mim caberia a parte mais simples da cobertura: enquete com o povo e lideranças empresariais e políticas, enquanto o jornalista mais experiente e titular da Editoria de Política/Economia do jornal, Maurício Guilherme, ficaria com a cobertura do palanque, onde estavam o presidente da República, José Sarney, o governador Leonel Brizola, o senador e autor da lei, Nelson Carneiro, o prefeito Zezé Barbosa e outros políticos. Mas Maurício amanheceu doente e ao jovem repórter coube a cobertura toda, publicada em página inteira no dia seguinte.
Antes disso, na campanha pró-royalties, onde se sobressaíram Raul Linhares, os vereadores Roberto Ribeiro, Benedito Marques e Hermeny Coutinho, além do empresário e presidente da ACIC, Paulo Viana, eu já era um apaixonado pelo assunto e acompanhei os principais passos da luta pelos royalties. O dinheiro começou a ser repassado, já no ano seguinte e, a partir de então, sempre procurei saber os valores para divulgar, aliás, o que faço, obsessivamente, até hoje. Achava e acho que era e é imprescindível que o cidadão/eleitor saiba quanto a Prefeitura recebe para cobrar sua aplicação mais condizente com as necessidades da população.
Nos primeiros anos os valores eram quase irrisórios e foi aumentando na proporção das descobertas de novas jazidas e crescimento da produção.  A partir de 1997, com a quebra do monopólio da Petrobras e início do pagamento das chamadas Participações Especiais, os recursos dos royalties passaram a representar entre 60 e 70% das receitas  municipais. É quando aparecem os primeiros sinais claros de desperdício, desvios de finalidade e outras aplicações menos nobres dos recursos. Recursos que sempre se soube finitos.
À medida que jorravam recursos, abundavam devaneios, gastos suspeitos, desperdício irresponsável. No governo Arnaldo Vianna, por exemplo, foram gastos milhões para fazer da então bela e bucólica Praça do Santíssimo Salvador, um enorme e caro vazio de mármore. Sem falar nos shows milionários. Era tanto desmando, que o presidente da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, chegou a dizer que “dinheiro dos royalties não era para pagar trio elétrico”. De Mocaiber, não restou nem monumentos de sua passagem nefasta pelo governo municipal.
 Os gastos irresponsáveis de cada vez mais dinheiro despertou a compreensível inveja de estados e municípios que, mesmo sem produzir uma gota de óleo ou metro cúbico de gás e nem sediar instalações exploratórias, se mobilizaram para participar do rateio, principalmente depois da descoberta das províncias gigantescas na camada chamada de pré-sal.
Da inveja ao projeto de lei foi um pulo. Daí a estimular deputados e senadores dos estados não produtores foi mais rápido ainda e foi aprovada, na Câmara e confirmada no Senado, uma lei que distribui para todo o Brasil os recursos dos royalties. O então presidente Lula vetou a lei e o veto vai ser apreciado em sessão conjunta do Congresso Nacional no próximo dia cinco de outubro. Com ou sem manifestação em Campos, Vitória ou na Conchichina, os deputados e senadores vão derrubar o veto e pelo simples motivo que, manter a legislação atual só interessa aos estados do Rio e Espírito Santo. Menos de 100 deputados e seis senadores contra o restante.
Resta questionar a nova lei no Supremo Tribunal Federal (STF), mas a única certeza nesta história é que os estados e municípios produtores vão perder recursos a partir de 2012. Embolsar R$ 1,2 bilhão como a Prefeitura de Campos fez em 2008 e deve repetir o feito este ano, nunca mais.
A luta, então, é para perder menos. Mas o atual governo municipal, mesmo diante da lei aprovada, manteve sua gastança desenfreada com contratações milionárias de empresas prestadoras de serviço, terceirizações suspeitas e obras cuja prioridade é, no mínimo, discutível. Ora, se desde o ano passado pesa sobre as nossas cabeças uma lei já aprovada, porém vetada e de antemão todos sabemos que o veto seria derrubado, por que a administração não se preparou para o baque iminente e continuou a farra como se não houvesse amanhã? Lembra a família imperial dançando na Ilha Fiscal enquanto um golpe militar instalava a República, em 1889.
A estrutura de pessoal da Prefeitura de Campos é enorme. São 41 cargos com status de secretaria (DAS-1) e cerca de outros 800 em funções de livre nomeação/exoneração e milhares de terceirizados. A Câmara, com 17 vereadores, vai chegar a 25 no ano que vem, ou seja, no limite previsto pela lei. Na mesma semana em que autoridades municipais anunciam o fim do mundo com a redução dos royalties, os vereadores aprovam, por unanimidade, a entrada de mais oito colegas a partir das eleições de 2012. Por certo é saudável aumentar a representação popular, mas o momento é adequado?
Diante da possibilidade real de perda de receita substantiva, a prefeita Rosinha ameaça com o fim da passagem a R$ 1,00, dos convênios com hospitais filantrópicos e entidades conveniadas, paralisação de obras das casas populares, demissão de terceirizados e o fim dos atendimentos na área de saúde, nas escolas e creches. Resumo: o fim do mundo será mesmo em 2012. Mas, mesmo diante de um futuro de terra arrasada, a mesma prefeita, ou seu marido-tutor, fala em lançamento, em novembro, de novo pacote de obras no valor de R$ 500 milhões. Ora, se o pacote será lançado em novembro, as obras serão feitas e pagas em 2012, ano em que as verbas minguariam ou minguarão. Ou ainda não estão levando a sério?
Se estivessem levando a sério teriam se precavido, reduzido o tamanho da máquina gigantesca, seriam mais cuidadosos com a contratação de obras e serviços, com os preços dos produtos essenciais ao custeio da máquina. Mas não. Enquanto jorra das torneiras da ANP o dinheiro fácil, gasta-se como o filho pródigo da passagem bíblica.
Pensando bem, não será de todo ruim ter uma arrecadação mais modesta. É claro que ninguém em sã consciência deseja uma redução drástica e nem paralisação de serviços para uma população que continua pobre a despeito da cidade ser uma das vinte mais ricas do país. No entanto, menos dinheiro no caixa vai obrigar os administradores a serem mais criativos, menos esbanjadores, além de afastar os abutres que confundem o público e o privado como se a administração fosse de bens próprios e não de todos. Sem falar nos gulosos empreiteiros, quase sempre sócios nos malfeitos.
Bem, aos que conseguiram ler até aqui esse depoimento pessoal, agradeço e torço para que, no final das contas, consigamos extrair conseqüências benéficas da crise inevitável, porque afinal, nem tudo foi bandalha nesses 26 anos de royalties na economia local. Sem esses recursos, dificilmente teríamos um hospital como o Ferreira Machado que, apesar de seus problemas, é o principal esteio regional na área de Saúde, sem falar no Hospital Geral de Guarus (HGG); o Trianon continuaria sendo uma quimera sem os royalties e o município não teria uma razoável rede de escolas, postos de saúde e creches...
Mas encerro imaginando como seria se, nessas duas décadas e meia de bonança, o município  tivesse sido administrado por governantes  responsáveis, honestos e cercados de gente igualmente séria e preparada. Certamente o fim do mundo que se anuncia para 2012 não seria tão ruim como parece que será.
OS.: Daqui a algumas horas, população e líderes comunitários e políticos vão se reunir, de novo na Praça do Santíssimo Salvador, para um ato público em defesa dos royalties. Sei que ninguém vai perceber e nem sentir falta, mas este blogueiro não vai estar presente.

10 comentários:

  1. Ricardo,
    Caro amigo!
    A despeito de sua acidez e de colocar num mesmo balaio governos como os de Arnaldo e Mocaiber com o de Rosinha, sua preocupação procede e é a minha. E isso independe de, hoje, eu estar fazendo parte do governo. Falo como cidadão, mesmo sabendo que dificilmente alguém que porventura leia este texto acreditará que não é por interesse pessoal que defendo o grupo político liderado por Garotinho. Mas isso não me afeta, pois nada do que pensam ou escrevam a esse respeito vai macular o que preservo "com unhas e dentes", a minha história.

    Lembro, antes, que a biblioteca já estava no Palácio da Cultura, quando Raul iniciou sua peregrinação pelo então Norte Fluminense (Noroeste foi criação de Moreira Franco). Segundo, eu estava lá, como linha de frente do PDT e como jornalista. Eram 1979 e 1985.

    Quanto aos gastos ou investimentos, lembre-se que a população cobra tudo e mais alguma coisa. E não há como deixar de atender a demanda. Ou seja, se há mais dinheiro, há que ter mais gastos. O que não se admite, inclusive legalmente, é a despesa fixa. Por exemplo, fazer concurso para preenchimento de cargos contando com royalties. Os nossos "intelectuais" e o próprio judiciário cobram isso, mas seria uma irresponsabilidade. Emprestar dinheiro para alimentar a indústria e o comércio além de um limite calculado, seria igualmente uma irreponsabilidade. O que se tem que fazer é justamente melhorar os postos de saúde, hospitais, escolas, creches e todos os setores de atendimento à população. Isso tem sido feito. Assim como fazer obra perene como os bairros legais, avenidas e pontes. Caso percamos parte dos royalties, o governo terá (e poderá) cortar gastos, pois todos estão terceirizados. Vai gerar reclamações da população e acusações da oposição. Mas não haverá outro jeito, obviamente.

    Quanto à gastança desenfreada justamente de 1999 a 2008, quando aumentou e muito a arrecadação, não se pode atribuíla ao governo de Rosinha. Não há um discurso dela que não haja referência aos royalties. Rosinha sempre diz: "Isso está sendo possível graças aos recursos provenientes dos royalties. Não ocorria isso antes. É só conversar com os diretores de hospitais ( para citar um setor apenas) e verá que houve unma melhora substancial a partir dos repasses municipais. Por causa dos royalties.

    Você tem razão: se casas populares, bairros legais, pontes e avenidas fossem uma constante desde 1999, a cidade seria bem melhor. Mas tal não ocorreu e todos sabemos os motivos. Ao fim de 2012, os dados mostrarão a grande diferença de 1999 a 2008 e 2009 a 2012. Sei que você, crítico como é, continuará acusando o governo Rosinha pela "gastança desenfreada", mas também, é certo, analisará om distanciamento os dados, que poderão ser fornecidos por diversos organismos como a FGV e afins.

    Lembro que o Brizola foi duramente criticado por gastar demais em projetos que favoreciam as classes mais pobres. Mas sabemos que gastou bem, quando comparamos com os demais governantes. Não vejo outra forma de olhar com olhos de ver um governo.

    Quanto à manifestação pública em prol dos royalties, ao contrário de você, estarei lá. Não por ser obrigado como um DAS da Prefeitura, mas como cidadão. Sei que o ato não vai mudar o oto dos congressistas, mas fará com que a sociedade campista e regional perceba que estão tirando algo que é nosso. E mais: nossa luta contra a ditadura não mudou nada, mas serviu para mostrar à sociedade que estáamos vivendo sob um regime ditatorial. A passerata dos 100 mil em 1968, quando morreu o jovem Edson, não mudou nada. Aliás, serviu como motivação para o endurecimento do regime. Hum milhão de pessoas pelas Diretas Já não mudou nada, mas conscientizou parte da população para algo que não se discutia nas esquinas. Os cara-pintadas não derrubaram Collor, mas serviu para que as pessoas (e os jovens, principalmente) se inteirassem do que estava ocorrendo.

    Por isso e muito mais, vamos às ruas, sim.

    Abraço fraterno,
    Avelino Ferreira

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  2. Muito Lúcido Richard!Também não estarei lá.

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  3. Parabéns! Ricardo,

    Sempre acompanho seu blog, mesmo quando as atualizações são poucas, mas de tudo que li e analisei até agora, esse texto é sem dúvida, uma grande análise do nosso cenário.

    Observação: "O país precisa de Jornalistas que além de sérios, sejam intelectuais comprometidos com a coisa pública"

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  4. Depoimento lúcido, equilibrado e consistente. Concordo em absoluto com seu texto.

    Parabéns e saudações

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  5. Ricardo, o primeiro projeto de royalties de petróleo no Brasil foi de autoria do dep. federal Walter Silva, MDB-RJ e Geraldo Bulhões ARENA-Al. O projeto passou na câmara mas no Senado foi barrado pois não contemplava a Marinha. Anos depois, sem mandato, Walter Silva viu seu projeto ser abraçãdo pelo senador Nelson Carneiro, q contempolou a união e ficou sendo o pai da criança. Não ter citado Walter Silva no seu texto foi lamentável!! Abçs Walter Silva Jr.

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  6. Prezados leitores,

    Nas falácias & bravatas de um deputado local num programa de rádio no sábado passado, ele já anunciava qual seria o resultado da reunião que iria acontecer no decorrer da semana, afinal ele sozinho foi capaz de paralisar as votações no plenário da Câmara, tendo em vista que estava usando a causa dos bombeiros militares para atingir outros fins.

    E, lá como cá, está acontecendo a mesma coisa. Vejamos: Numa atitude vil, covarde, desumana ele anunciou, durante o tal programa que SE aprovada fosse a lei, vários programas de Campos iriam acabar: passagem cidadão, morar feliz, cheque cidadão, bolsa família (programa do governo federal) e foi definhando o rosário.

    Até de programa do Governo Federal usam para chantagear o povo.

    As rádios cheias de inserções de convocações para a participação do povo, a Prefeita foi para a televisão e a todo instante o que vimos e ouvimos e falar dos atos do Governo. O Blog do João do Microfone registrou também isto aqui.

    Eu ouvi no sábado, vi ontem na mídia a convocação, PIOR QUE ISTO, foi ver que o Garotinho que tem sempre o hábito de alijar-se a grupos segmentados e arregimentados que se transformam em múltiplos reprodutores das idéias que ele quer disseminar no meio do povo para que se transforme em povINHO, e, hoje esta TROPA DE CHOQUE foi para as ruas bater de casa em casa, AMEAÇANDO OS MENOS FAVORECIDOS, OLHA OS ROYALTIES VÃO ACABAR, ENTÃO NÃO VAI TER MAIS PROGRAMA TAL, TAL E TAL E ELENCAVA OS PROGRAMAS POPULISTAS DE 1 REAL, INCLUINDO ATÉ O BOLSA FAMÍLIA QUE É UM PROGRAMA DO GOVERNO FEDERAL.

    Postagem completa em:

    http://pensamentossubjetivos.blogspot.com/2011/09/royalties-x-ato-politico-em-campos.html

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  7. Ricardo! Não se preocupe, repetindo o que ouvi por aí outro dia:

    O fim do mundo não acontecerá por aqui porque o Brasil não possui estrutura para suportar tal evento.


    Teremos que continuar a conviver com essa escumalha, Garotinhos Rosinhas Arnaldos e Mocaibers.

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  8. Penso exatamente igual Ricardo, quanto ao comentário do Avelino não poderia ser diferente ( é DAS deste governo)
    Tb não estarei lá, mesmo porque não acredito neste tipo de movimento como forma de alterar alguma coisa em Brasília.
    Só servirá de palanque para o casal mais uma vez...infelizmente...

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  9. Parabéns, Ricardo!
    É muito bom vermos que ainda existem pessoas sérias nessa cidade. Perfeitas as suas colocações.
    Só nos resta esperar para ver que políticos se interessarão pela prefeitura sem os polpudos royalties.

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  10. Caro Ricardo,
    Estive lá, certamente que voce nada perdeu, parabens pelo testo, uma análise reflexiva!

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