segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ROYALTIES: POR QUE NÃO SE PREPARAM PARA O INEVITÁVEL?

A possibilidade de os estados e municípios produtores de petróleo perderem boa parte dos royalties é real desde 2010, a partir da aprovação da chamada emenda Ibsen Pinheiro. De lá para cá, enquanto os deputados, senadores, Lula e Dilma "empurravam a situação com a barriga", não sancionando e nem vetando, prefeitos e governadores continuaram torrando os recursos "como se não houvesse amanhã".
No dia 23 de setembro de 2011, por ocasião de uma manifestação feita em Campos em favor da manutenção das atuais regras de distribuição dos royalties postei o texto abaixo que republico por entender
que nada mudou. Muito ao contrário por causa do ano eleitoral, neste 2012, a irresponsabilidade com os gastos foi ainda mais aviltante. (publicação original aqui).


SEXTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2011

Poderia ter sido diferente

A primeira mobilização pelo pagamento de royalties sobre a exploração de petróleo na costa do Norte Fluminense (na recém batizada Bacia de Campos),foi numa tarde no final dos anos 70. A data exata não me lembro, mas ficou na memória a imagem de uma multidão que se aglomerou na praça do Santíssimo Salvador para ouvir os oradores capitaneados pelo prefeito de então, Raul Linhares, que ocuparam as sacadas do Solar do Barão de Araruama, que era a sede da Biblioteca e Câmara Municipal. Eu, estudante do Liceu, estava lá. Nascia ali uma luta pelo que seria era uma indenização (royalties, em inglês) pelo ouro negro descoberto há pouco tempo no litoral da região.
Alguns anos depois, precisamente em 27/12/1985, eu também estava lá. Desta vez como repórter do jornal A Notícia, para a cobertura do ato de assinatura da Lei dos Royalties (uma palavra estranha, desconhecida da maioria dos campistas e ainda grafada entre aspas pela imprensa local, ciosa em proteger a língua pátria dos estrangeirismos). Novato na profissão, a mim caberia a parte mais simples da cobertura: enquete com o povo e lideranças empresariais e políticas, enquanto o jornalista mais experiente e titular da Editoria de Política/Economia do jornal, Maurício Guilherme, ficaria com a cobertura do palanque, onde estavam o presidente da República, José Sarney, o governador Leonel Brizola, o senador e autor da lei, Nelson Carneiro, o prefeito Zezé Barbosa e outros políticos. Mas Maurício amanheceu doente e ao jovem repórter coube a cobertura toda, publicada em página inteira no dia seguinte.
Antes disso, na campanha pró-royalties, onde se sobressaíram Raul Linhares, os vereadores Roberto Ribeiro, Benedito Marques e Hermeny Coutinho, além do empresário e presidente da ACIC, Paulo Viana, eu já era um apaixonado pelo assunto e acompanhei os principais passos da luta pelos royalties. O dinheiro começou a ser repassado, já no ano seguinte e, a partir de então, sempre procurei saber os valores para divulgar, aliás, o que faço, obsessivamente, até hoje. Achava e acho que era e é imprescindível que o cidadão/eleitor saiba quanto a Prefeitura recebe para cobrar sua aplicação mais condizente com as necessidades da população.
Nos primeiros anos os valores eram quase irrisórios e foi aumentando na proporção das descobertas de novas jazidas e crescimento da produção.  A partir de 1997, com a quebra do monopólio da Petrobras e início do pagamento das chamadas Participações Especiais, os recursos dos royalties passaram a representar entre 60 e 70% das receitas  municipais. É quando aparecem os primeiros sinais claros de desperdício, desvios de finalidade e outras aplicações menos nobres dos recursos. Recursos que sempre se soube finitos.
À medida que jorravam recursos, abundavam devaneios, gastos suspeitos, desperdício irresponsável. No governo Arnaldo Vianna, por exemplo, foram gastos milhões para fazer da então bela e bucólica Praça do Santíssimo Salvador, um enorme e caro vazio de mármore. Sem falar nos shows milionários. Era tanto desmando, que o presidente da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, chegou a dizer que “dinheiro dos royalties não era para pagar trio elétrico”. De Mocaiber, não restou nem monumentos de sua passagem nefasta pelo governo municipal.
 Os gastos irresponsáveis de cada vez mais dinheiro despertou a compreensível inveja de estados e municípios que, mesmo sem produzir uma gota de óleo ou metro cúbico de gás e nem sediar instalações exploratórias, se mobilizaram para participar do rateio, principalmente depois da descoberta das províncias gigantescas na camada chamada de pré-sal.
Da inveja ao projeto de lei foi um pulo. Daí a estimular deputados e senadores dos estados não produtores foi mais rápido ainda e foi aprovada, na Câmara e confirmada no Senado, uma lei que distribui para todo o Brasil os recursos dos royalties. O então presidente Lula vetou a lei e o veto vai ser apreciado em sessão conjunta do Congresso Nacional no próximo dia cinco de outubro. Com ou sem manifestação em Campos, Vitória ou na Conchichina, os deputados e senadores vão derrubar o veto e pelo simples motivo que, manter a legislação atual só interessa aos estados do Rio e Espírito Santo. Menos de 100 deputados e seis senadores contra o restante.
Resta questionar a nova lei no Supremo Tribunal Federal (STF), mas a única certeza nesta história é que os estados e municípios produtores vão perder recursos a partir de 2012. Embolsar R$ 1,2 bilhão como a Prefeitura de Campos fez em 2008 e deve repetir o feito este ano, nunca mais.
A luta, então, é para perder menos. Mas o atual governo municipal, mesmo diante da lei aprovada, manteve sua gastança desenfreada com contratações milionárias de empresas prestadoras de serviço, terceirizações suspeitas e obras cuja prioridade é, no mínimo, discutível. Ora, se desde o ano passado pesa sobre as nossas cabeças uma lei já aprovada, porém vetada e de antemão todos sabemos que o veto seria derrubado, por que a administração não se preparou para o baque iminente e continuou a farra como se não houvesse amanhã? Lembra a família imperial dançando na Ilha Fiscal enquanto um golpe militar instalava a República, em 1889.
A estrutura de pessoal da Prefeitura de Campos é enorme. São 41 cargos com status de secretaria (DAS-1) e cerca de outros 800 em funções de livre nomeação/exoneração e milhares de terceirizados. A Câmara, com 17 vereadores, vai chegar a 25 no ano que vem, ou seja, no limite previsto pela lei. Na mesma semana em que autoridades municipais anunciam o fim do mundo com a redução dos royalties, os vereadores aprovam, por unanimidade, a entrada de mais oito colegas a partir das eleições de 2012. Por certo é saudável aumentar a representação popular, mas o momento é adequado?
Diante da possibilidade real de perda de receita substantiva, a prefeita Rosinha ameaça com o fim da passagem a R$ 1,00, dos convênios com hospitais filantrópicos e entidades conveniadas, paralisação de obras das casas populares, demissão de terceirizados e o fim dos atendimentos na área de saúde, nas escolas e creches. Resumo: o fim do mundo será mesmo em 2012. Mas, mesmo diante de um futuro de terra arrasada, a mesma prefeita, ou seu marido-tutor, fala em lançamento, em novembro, de novo pacote de obras no valor de R$ 500 milhões. Ora, se o pacote será lançado em novembro, as obras serão feitas e pagas em 2012, ano em que as verbas minguariam ou minguarão. Ou ainda não estão levando a sério?
Se estivessem levando a sério teriam se precavido, reduzido o tamanho da máquina gigantesca, seriam mais cuidadosos com a contratação de obras e serviços, com os preços dos produtos essenciais ao custeio da máquina. Mas não. Enquanto jorra das torneiras da ANP o dinheiro fácil, gasta-se como o filho pródigo da passagem bíblica.
Pensando bem, não será de todo ruim ter uma arrecadação mais modesta. É claro que ninguém em sã consciência deseja uma redução drástica e nem paralisação de serviços para uma população que continua pobre a despeito da cidade ser uma das vinte mais ricas do país. No entanto, menos dinheiro no caixa vai obrigar os administradores a serem mais criativos, menos esbanjadores, além de afastar os abutres que confundem o público e o privado como se a administração fosse de bens próprios e não de todos. Sem falar nos gulosos empreiteiros, quase sempre sócios nos malfeitos.
Bem, aos que conseguiram ler até aqui esse depoimento pessoal, agradeço e torço para que, no final das contas, consigamos extrair conseqüências benéficas da crise inevitável, porque afinal, nem tudo foi bandalha nesses 26 anos de royalties na economia local. Sem esses recursos, dificilmente teríamos um hospital como o Ferreira Machado que, apesar de seus problemas, é o principal esteio regional na área de Saúde, sem falar no Hospital Geral de Guarus (HGG); o Trianon continuaria sendo uma quimera sem os royalties e o município não teria uma razoável rede de escolas, postos de saúde e creches...
Mas encerro imaginando como seria se, nessas duas décadas e meia de bonança, o município  tivesse sido administrado por governantes  responsáveis, honestos e cercados de gente igualmente séria e preparada. Certamente o fim do mundo que se anuncia para 2012 não seria tão ruim como parece que será.
OS.: Daqui a algumas horas, população e líderes comunitários e políticos vão se reunir, de novo na Praça do Santíssimo Salvador, para um ato público em defesa dos royalties. Sei que ninguém vai perceber e nem sentir falta, mas este blogueiro não vai estar presente.
 

2 comentários:

  1. AO BLOGUEIRO SUGIRO A LEITURA DA COLUNA DE PAULO GUEDES NO PRIMEIRO CADERNO DO JORNAL O GLOBO DO DIA DE HOJE,26/11/2012,À PÁGINA 17.
    É O MELHOR COMENTÁRIO CABÍVEL ÀS SUAS CONSIDERAÇÕES ACIMA.
    SAUDAÇÕES DEMOCRÁTICAS.

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  2. Ufa!
    Até que enfim um artigo que deveria ter uma repercussão em outros blog's até mesmo na grande imprensa.
    Parabéns pela lucidez e pelas pertinentes colocações!
    Fazia falta, Ricardo, de uma voz realmente independente onde a realidade não fosse colocada de acôrdo com os interesses, sejam financeiros ou politicos-partidários (haja sectarismo por aqui).
    Que bom! Voltaste com a pena afiada.

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