José Sisneiro: “O dinheiro da Prefeitura funciona como cabresto”
Curto na maioria das respostas, José Sisneiro foi também “grosso” numa delas, em definição própria, ao analisar a reforma administrativa da prefeita Rosinha que concentrou plenos poderes da cultura pública do município na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL): “Abaixo a concentração de poder!”. Com 64 anos e militando no teatro desde os 18, o diretor, dramaturgo, ator e iluminador de teatro, natural de Sergipe, mas campista por adoção, tem acompanhado a discussão sobre os rumos e desrumos da cultura de Campos, mais a partir das suas reverberações também no Rio, onde é diretor-tesoureiro do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated).
Folha Dois – Vivendo nos últimos anos entre o Rio e Campos, como tem acompanhado a discussão sobre a cultura da planície, a partir da denúncia de censura à peça “Bonitinha, mas ordinária”, de Nelson Rodrigues, no Trianon, por supostos motivos religiosos da prefeita Rosinha (relembre o caso aqui e aqui, que ganhou mídia nacional aqui e aqui)? Ela repercutiu no meio teatral carioca?
José Sisneiro - Há alguns anos atrás, falei para algumas pessoas que o avanço de outras religiões no Brasil iria acirrar a disputa pelo poder, usando o domínio das massas. Esse domínio já chegou a Campos, com dinheiro e um pouco de fundamentalismo religioso, influindo de forma definitiva no processo eleitoral. Esse modelo é perfeito para o nosso rico município. Quanto à repercussão do caso, eu sei o que chegou através de renomados artistas do Rio de Janeiro, capital.
Folha – Em entrevista à Folha, o professor Arthur Soffiati afirmou (aqui) que o debate importa menos do que os motivos que o geraram. Concorda?
Sisneiro - Na verdade, vejo que a “censura” abriu as glotes dos que se manifestaram. Mas não sei mensurar neste momento, por não estar participando do foco do debate.
Folha – A última peça que você encenou na planície foi “Conselho de classe”, de Adriano Moura, em 2010. Por que está há três anos fora dos palcos de Campos? Há outro motivo além da sua militância na diretoria do Sated-RJ?
Sisneiro - Há muitos anos, participo da existência de grupos como o “Boa Noite, Amor”. A militância no Sated-RJ me coloca politicamente num furacão maior. Por estar no Rio, participei de algumas vitórias para o interior. No Sated-RJ sou sempre apresentado como representante do interior. Além disso, o Sated-RJ, no qual obedeço expediente através de prestações de serviços, ajuda-me na minha provisão.
Folha – Como produtor cultural você esteve na Prefeitura desde o primeiro governo Anthony Matheus, em 1989, até a última gestão Arnaldo Vianna, em 2004. Conhecendo os dois lados da moeda, qual a sua visão sobre a política pública de cultura praticada ao longo dos anos em Campos?
Sisneiro - O Sr. Anthony sempre foi estrela. O Dr. Arnaldo Vianna sempre foi tiete. Sempre achei que a política do evento só seria salutar se fosse um motivador do desenvolvimento artístico local. Os grandes eventos são produtores de atividades econômica em todo mundo. Todos reconhecem essa importância. Mas temos que priorizar o desenvolvimento do ser humano local, em todas as áreas. Durante o tempo mencionado, a diferença existiu na generosidade e no prazer real do segundo.
Folha – Soffiati e Adriano (aqui) afirmaram que as políticas públicas de cultura, atreladas a um projeto político de poder, são as mesmas em Campos desde 1989. O primeiro citou o pensador francês Abraham Moles para classificar essa política cultural como “populista” e “autoritária”. Por sua vez, o professor Deneval de Azevedo Filho afirmou (aqui): “A ‘garotização’ da cultura foi péssima para Campos”. Como alguém que chegou a participar diretamente desse processo, qual a sua opinião?
Sisneiro - Acho que o populismo é um “ismo” como outro qualquer. não gosto de ser orientado pelos “ismos”, mas, já que eles existem, o domínio através da formatação da ignorância aliada das fantasias religiosas, ou não, geram idiotização. Batemos palmas, ou não, mas sem ao menos saber o por quê.
Folha – Já a professora Cristina Lima, com quem você trabalhou nas duas gestões dela à frente da FCJOL, disse (aqui) ter visto com preocupação a recente reforma administrativa da prefeita Rosinha que extinguiu a secretaria de Cultura e as fundações Trianon e Zumbi dos Palmares, concentrando toda administração da cultura pública de Campos na Fundação restante. Partilha dessa preocupação?
Sisneiro - Serei curto e grosso: Sim, me preocupo; e muito! Abaixo a concentração de poder! Já vivemos a imposição de idéias, durante a ditadura militar no Brasil, e foi um tempo que não deixou nenhuma saudade em ninguém, sobretudo entre os artistas. A secretaria de Cultura foi a grande perda.
Folha – Os artistas também foram alvo de crítica. Se Adriano ressalvou que “o artista não é apenas uma vítima no meio disso tudo”, Soffiati foi além: “Ele (o artista) está no poder não para atender ao público, mas para realizar suas ambições pessoais e para ter uma fonte de renda”. O que pensa a respeito?
Sisneiro - Todos estão com razão. Não vejo, porém, que só os artistas de Campos sofram desses problemas. A luta pela provisão tem que ter um certo controle. Se não a violência a que nós estamos sujeitos geram bichos incontroláveis.
Folha – Adriano e Soffiati também afirmaram que a polarização política de Campos se reflete entre seus artistas, com o governo defendido por aqueles que com ele estão, tendo como críticos os que ficaram de fora, mas querem entrar. Funciona assim mesmo?
Sisneiro - Tenho percebido que, em toda movimentação política em volta do poder, há aquele sentimento pequeno e mesquinho de “agora é a nossa vez”, “ agora vamos armar o nosso esquema”. Não há verdade dirigida ao coletivo. Em campos, onde está jorrando dinheiro, precisamos valorizar “o ser”. Os arcos da Beira Valão não dão nenhuma espécie de alimento interior, mesmo que haja sobra de dinheiro.
Folha – Soffiati propôs a formulação coletiva de uma notícia-crime ao Ministério Público para se investigar o suposto superfaturamento dos shows. O que acha?
Sisneiro - A transparência resolveria. O trabalho artístico não tem tabela.
Folha – Cristina confirmou existir na planície a política do “pires na mão” dos artistas em relação ao poder público, mas ressalvou que seria assim em todo lugar. No Rio, por exemplo, é assim que a banda toca?
Sisneiro - Não gosto de comparar. O fato é que o artista cria com pequenos custos ou com grandes custos. Porém, no ato da criação, o que tem que prevalecer é a realização desse artista, então ele procura recursos materiais e financeiros onde imagina haver possibilidade. Campos não tem indústrias e seus comerciantes não veem nos seus artistas os seus embaixadores sociais. Por isso, o dinheiro da Prefeitura funciona como cabresto. O último espetáculo que fiz para a Prefeitura foi em 2007 e não recebi até hoje.
Folha – O poeta Artur Gomes afirmou (aqui) que a categoria artística de Campos está “acomodada” e “anestesiada”. Já Adriano lembrou que poucos artistas locais buscam soluções alternativas para mostrar seu trabalho, antes de recorrer à Prefeitura. Você está prestes a reencenar “Conselho de classe” no Rio, na cara e na coragem. Como se arriscar no próprio talento pode ser regra?
Sisneiro - O dicionário me informou que a palavra profissão significa: “formados academicamente ou os que sobrevivem de”. O que na verdade ocorre, é que se a ligação formada for química, ela facilita a liberdade na opção artística, por eliminar a violência da luta pela provisão que nos traz. O “Conselho de classe”, mesmo no Rio, é um desafio campista.
Folha – Depois de reapresentar a peça de Adriano no Rio, tem planos para trazê-la de volta a Campos?
Sisneiro - O meu maior objetivo é expor o Adriano Moura em todos os lugares possíveis.
Folha – Uma coisa que parecem unânime entre os artistas da planície é a necessidade de implementação do Fundo Municipal de Cultura, aprovado desde o fim do governo Mocaiber, mas empurrado com a barriga já há cinco anos. Esse deve ser o eixo da discussão?
Sisneiro - Para nós, brasileiros, o mais importante é o investimento em educação. A boa educação tornará as artes uma grande necessidade de consumo. Isso fará diminuir o poder das farsas controladoras. Newton disse que “para que consigamos enxergar longe é preciso estarmos apoiados em ombros de gigantes”. Esses dias estava lendo um livro, em que vi e anotei uma outra citação, mas sem guardar o autor, que dizia: “Os artistas não devem se afastar de seu tempo, eles devem se jogar na luta e ver o que podem fazer de bom ali. Em vez de manter uma distância segura dos fétidos pântanos dos valores do mundo, devem mergulhar de cabeça neles e agitar as coisas”. E nem importa mesmo quem tenha dito, afinal a verdade é a verdade.
Publicado na edição impressa da Folha Dois de hoje (25/08/13).
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