terça-feira, 3 de setembro de 2013

A "CULTURA DA GASTANÇA" DO GOVERNO ROSINHA

Da edição impressa de hoje da Folha da Manhã e aqui no Blog Opiniões:




Ricardo André: “Cultura no governo Rosinha só a da gastança”

Seria possível para um grupo de teatro da Campos de hoje assumir a direção do município, como ocorreu nos anos 1980, mantendo-se no comando pelos 30 anos seguintes? Não para o jornalista e blogueiro Ricardo André Vasconcelos, que participou das montagens de peças como “Precisa acontecer alguma coisa”, em 83, e “Brava gente brasileira”, em 85, que tinha dividido nas funções de autor, diretor e ator o prefeito de Campos eleito em 88, hoje deputado federal e pré-candidato a governador do PR, Anthony Matheus. Da arte à vida que a imita, “mas não repete a história nem como farsa”, Ricardo subiu ao palco central também nos dois primeiros governos do grupo, identificando a campanha perdida a governador, em 1994, como o divisor de águas entre os rumos coletivos e o projeto pessoal de poder que entende ter sido o roteiro seguido a partir dali. Desde então, não apenas a cultura, mas todas as demais políticas dos governos de Campos passaram a ver o “respeitável público” como se fosse formado não por cidadãos, mas apenas por eleitores. Dentro deste contexto, a administração Rosinha, ao centralizar toda a cultura na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), longe de exceção, seria a regra, na qual os recursos públicos não têm sido poupados para se levar gente às ruas e criar um clima de “campanha eleitoral permanente”. A partir do acompanhamento das publicações no Diário Oficial (DO) do município, Ricardo denuncia: “Cultura nesse governo só a da gastança”.
(Foto de Arthur Damasceno/ Folha da Manhã)
(Foto de Arthur Damasceno/ Folha da Manhã)
Folha Dois – Você vestiu a carapuça quando a presidente da FCJOL disse em entrevista (aqui) ao site Campos 24 Horas: “Tem gente que lê, por exemplo, o Diário Oficial, não interpreta o que está escrito e, mesmo assim, omite (sic) opinião. E, aí, claro, de forma equivocada. Vou dar um exemplo: Publicação de licitação na modalidade de registro de preço, que é interpretado como se fosse para um único evento e que não é. E quem entende desse mecanismo, sabe como funciona”. Sem se omitir em emitir juízo, como funciona?
Ricardo André Vasconcelos – Eu sou leitor de Diário Oficial não é de hoje. Não acompanho só o atual governo. Sempre vi o DO como uma fonte notícias, de pauta e é assim que continuo lendo-o todos os dias. Em 2008, durante o carnaval, foi publicado o extrato de contrato da empresa de coleta de lixo por 10 anos ao custo de R$ 562 milhões. Era o governo Mocaiber. Divulguei no blog e, mesmo sendo um ano eleitoral, nenhum candidato teve interesse em colocar o dedo na ferida. Portanto, sempre que é publicado um extrato de contrato, seja de aluguel de trio elétrico, contratação de artistas, montagem de palco ou editais para obras, entre outros atos, eu recorto da versão em PDF na Internet e posto no blog como forma de ajudar o governo a cumprir o preceito constitucional da publicidade dos atos administrativos. Por causa disso achei uma deselegância a presidente da Fundação Cultural criticar quem divulga o Diário Oficial e vesti, sim, a carapuça. No sábado anterior à entrevista ao Campos 24 horas ela já havia feito a mesma abordagem no programa Entrevista Coletiva, na Diário FM. Quando eu disse que sei como funciona,  é que na lei 8.666/93, do governo Itamar Franco, há brechas para dispensa de licitação para casos de artistas e outros tipos de contratação cuja especificidade não tem como ser auferida num certame licitatório. Nessa brecha legal você tem como contratar só quem te interessa. Só contrata quem é seu amigo, do seu partido, do seu grupo político ou quem, de uma forma ou de outra, possa dar alguma retribuição por essa escolha. Outro exemplo é a publicação genérica de “eventos culturais, comemorativos e esportivos”. Como não discrimina quais são e nem onde foram realizados fica sempre a dúvida e a dúvida é irmã-gêmea da suspeita.
Folha – Além de você, outro a acusar o golpe foi o também blogueiro Cláudio Andrade, que cobrou (aqui) da entrevistada o esclarecimento que entendeu não ter sido feito sobre o registro de preço nas publicações do FCJOL no DO. O fato de você e Cláudio estarem sendo expondo em seus blogs as publicações da FCJOL em Diário Oficial incomoda? Por quê?
Ricardo André – É uma questão técnica da qual não sou especialista. Sou é curioso e chato. Sei somar dois mais dois contextualizando as informações num formato de comunicação. A administração pode fazer um pregão para registro de preço para que os fornecedores daqueles produtos ou serviços saibam que, por exemplo, a fundação tal pode, dentro de certo período de tempo, pagar tal preço por aqueles serviços ou produtos. Mas o que postei no blog foi bem diferente. O que desagradou ao pessoal da FCJOL foi que eu postei os valores pagos à Working Empreendimentos pelo aluguel e montagem de palco no valor de R$ 347 mil, ao que parece, para a Festa de São Salvador. Digo parece porque, mesmo após publicação no blog com replique em vários outros blogs e na versão impressa da Folha, ninguém da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima ou da Secom/PMCG disse uma palavra sobre o assunto. Dias depois o DO trouxe um extrato de contrato, no valor de R$ 501 mil para aluguel de palco da mesmíssima Working. Ora, será que pagaram e depois assinaram o contrato? As publicações são obrigatórias no DO, e o que eu e Cláudio Andrade fazemos, é dar eco e tentar contextualizar essas informações públicas. Por exemplo, há anos, desde o começo do pagamento dos royalties do petróleo eu sempre divulguei os valores mensais. Ainda como repórter da TV Norte Fluminense, nos anos 80, ou na editoria de economia e editoria geral da Folha, de 1998 a 2002, sempre foi preocupação minha acompanhar e divulgar todo dia 20 de cada mês os valores repassados aos municípios da região. O cidadão/contribuinte precisa ter essa informação até para dimensionar e direcionar suas demandas ao poder público. E a questão não fica restrita à área da cultura porque a gastança é em outras as áreas e de forma suspeita, apesar de legal. Parece paradoxo, mas não é. A lei permite que os contratos tenham seus valores reajustados e que sejam prorrogados, mas o que se faz na PMCG é que as prorrogações são regra e não exceção. Veja o caso das três agências cuidam da propaganda do governo Rosinha desde 2009. São as mesmas e, na semana passada tiveram seus contratos aditados pelo quarto ano ao custo total de R$ 15 milhões por ano. A mesma situação é das cinco maiores fornecedoras de mão-de-obra para a Prefeitura de Campos. Os contratos também foram renovados há poucos dias por cerca de R$ 65 milhões. Outro exemplo foi a GAP, aquele empresa que alugava, também desde o início do governo, ambulâncias para a PMCG e só teve o contrato rescindido depois que a Revista Época denunciou que o dono da empresa era um “fantasma”. E olha que o deputado Garotinho também já tinha alugado um carro da mesma GAP e foi volante um Fusion branco da GAP que o presidente local do Partido da República, e filho do casal Garotinho, se envolveu num acidente de trânsito. Isso é apenas uma pequena mostra da confusão, de fundir mesmo, que fazem do público com o privado e encobrindo tudo com pouca transparência, mas que já permite levantar algumas informações e protegidos por uma massacrante e milionária propaganda no rádio e TV. De novo a receita infalível (?) do populismo de resultados capitaneado pelo deputado Garotinho.
Folha – Em seu acompanhamento do DO, observou um aumento nas despesas da FCJOL após a reforma administrativa de Rosinha, que extinguiu a secretaria de Cultura e as Fundações Trianon e Zumbi dos Palmares, colocando toda a política pública da cultura de Campos sob tutela administrativa de Patricia Cordeiro? Percebe alguma motivação implícita nessa mudança?
Ricardo André – A pergunta é ótima para “despatricizar” essa questão. A Patricia é uma pessoa amável, inteligente e sempre muito agradável, pelo menos comigo. O que eu questiono, o que me provoca gastura é a gastança desenfreada, que não é da Patricia. A gastadeira é Rosinha. Por mais boa vontade que tenha, Patricia não passa de mera executora do jeito Rosinha de governar. Esse governo vive em campanha eleitoral permanente, e campanha eleitoral precisa de gente amontoada na rua. E é com show, trio elétrico e palcos alugados a peso de ouro que se junta gente para aplaudir. O populismo precisa disso como o ar que respiramos. Por isso é política da família Garotinho gastar o que for preciso para ter gente na rua ouvindo música, mesmo que seja de qualidade ruim, como na maioria das vezes é; porque assim, pensam eles, estão atendendo a uma demanda do público. Enquanto educar, no sentido mais amplo do vocábulo, seria oferecer ao público opções de melhor qualidade e uma diversificação cultural que alimente a alma e inspire reflexão. Acho que essa gente que está no governo sabe muito bem disso e promove uma espécie de conspiração para alienar, porque assim, sem pensar, emburrecendo, o curral eleitoral aumenta cada vez mais. A secretaria de Cultura, que tinha à frente o teatrólogo e professor Orávio de Campos, foi extinta numa reforma em que a prefeita extinguiu também a Fundação Zumbi dos Palmares, que fazia uma política afirmativa boa em relação à inclusão dos negros, com cursos pré-vestibulares, por exemplo. A justificativa para a reforma foi o enxugamento da máquina, mas ao mesmo tempo Rosinha criou as secretarias da Pesca e a do Idoso, duas sinecuras para aliados políticos, além de cerca de uma centena de cargos de confiança para os cabos eleitorais. Na verdade acho que a única cultura que Rosinha conhece bem é a da gastança, e com o dinheiro dos outros, porque sei que ela é excelente administradora do próprio lar.
Folha – E à cultura em si, qual sua opinião sobre esse movimento de centralização administrativa, delegando plenos poderes à FCJOL, criticado publicamente pelos professores Artur Gomes (aqui), Adriano Moura (aqui), Deneval de Azevedo Filho (aqui), Arthur Soffiati (aqui) e Cristina Lima (aqui), além dos diretores de teatro José Sisneiro (aqui) e Antonio Roberto Kapi (aqui)?
Ricardo André – Eu penso que a centralização é justamente para atender à decisão da prefeita em fazer da área cultural um comício permanente. É claro que pode-se destacar um ou outro ponto positivo, como a abertura do Museu, a realização da Bienal do Livro ou um apoio à fórceps para a ONG Osquestrando a Vida, mas praticamente toda a energia e verbas dos organismos oficiais de cultura, agora todos sob o guarda-chuva da Fundação Oswaldo Lima, vão para os eventos que atraem multidões, contratação de artistas caros, bandas, trios elétricos , camarins, buffets  e grandes estruturas de palco como se viu na Festa de São Salvador. Veja só: o Cepop , que é uma obra de R$ 100 milhões, que se justifica para economizar dinheiro com aluguel de estruturas desmontáveis, vive às moscas a maior parte do ano porque o governo Rosinha quer manter, por exemplo a festa de São Salvador na praça. Ora, a Festa do Padroeiro pode ser na praça mas os shows como da Banda Cheiro de Amor e Michel Teló poderiam ter sido no Cepop. Ou alguém acredita que o tradicional público da festa católica foi à praça ver Michel Teló? Eu ouvi a prefeita Rosinha dizer, na mesma entrevista da Patricia na rádio, que não da para levar o palco do Cepop para a Praça. Ora, então leve os shows da praça para o Cepop. Então, a centralização elimina o pior inimigo do populismo que é o debate. Numa direção mais capilarizada nos organismos culturais sob a tutela da administração municipal, muitos dos erros cometidos hoje seriam evitados. Mas penso este governo quer é isso mesmo: juntar multidão para alienar num imenso e permanente comício. Então, para quê diversificação de opiniões? Basta meia dúzia de executores para fazer a vontade da prefeita pródiga,  gastadeira e alcançar o projeto desse grupo de permanência no poder.
Folha – Quem acompanha os bastidores da política, sabe que Patricia, via Linda Mara, é pessoa da conta de Rosinha, o que, por surreal que pareça, não é a tônica dos muitos cargos da Prefeitura de Campos. Cultura à parte, enxerga algum objetivo político e/ou financeiro nesta parte que cabe à prefeita no latifúndio bilionário do seu próprio governo?
Ricardo André – É intuitivo, mas acho que a prefeita pensa assim: “poxa, o Garotinho manda aqui, ali, o vereador tal indicou o secretário sicrano, os partidos ‘x’ e ‘y’ me empurravam beltrano e fulano e eu mesma que tive 160 mil votos não tenho o meu pessoal, a minha turma?” Repito: é intuitivo mas sei que o próprio Garotinho defendeu mudança na presidência da Fundação, mas a prefeita bateu pé e ainda submeteu à sua pupila os presidentes das fundações extintas, ou seja, Trianon, com João Vicente Alvarenga, e Zumbi dos Palmares, com Jorge Luiz dos Santos, além do próprio Orávio, que era o secretário de Cultura. Hoje os três são subordinados à presidência da FCJOL. E todos os três indiscutivelmente mas experientes que Patricia. Na época eu postei no blog, e agora repito, que a “Cultura foi a grande vítima da reforma de Rosinha”.
Folha – Por falar em Linda Mara, você disse em seu blog que ela assumiu o lugar de Mauro Silva, que por sua vez voltou à Secom, para fazer na Câmara o que nenhum vereador governista tem feito: defender Patricia Cordeiro à frente da FCJOL. Por que ela estaria disposta a fazer o que ninguém mais quis? E por que essa defesa, em suas palavras (aqui), seria “irracional e apaixonada”?
Ricardo André – É verdade que, com uma base aliada tão grande, com 21 vereadores, os interesses são muitos e às vezes concorrentes. Os vereadores não entram com profundidade em nenhuma discussão. Ficam na superfície dos assuntos, numa defesa pessoal e apaixonada da prefeita e do marido dela como se fossem amestrados para isso. Não argumentam com raciocínio lógico sobre as questões levantadas pela oposição. Há exceções, claro, mas entre 21 vereadores praticamente apenas dois, Paulo Hirano e Abdu Neme, têm um discurso mais ou menos articulado como a gente pode ver, por exemplo, quando está em discussão algum requerimento de informação formulado por algum dos quatro vereadores da oposição. Aliás, acho que a oposição perde a oportunidade de usar isso a seu favor, ou seja, são apenas quatro, mas todos falam muito bem da tribuna, são bem informados e deveriam partir para o embate contra a bancada governista que, apesar de majoritária carece de bons oradores e se limitam no rame-rame da mera repetição de repetir a cantilena do chefe . Nesse sentido, acho que Linda Mara, minha afilhada do primeiro casamento e a quem prezo, tem pouco a oferecer, porque apesar da experiência de rádio tem pouco traquejo na interatividade que a atividade parlamentar exige. Vai ser mais uma a ser perder na maioria na vala comum dos aliados que se limitam a votar de acordo com os interesses da prefeita e não da cidade.
Folha – Ainda em relação à entrevista de Patricia ao site, em nenhum momento foi perguntado a ela sobre as denúncias de favorecimento da banda A Massa, cujo percursionista é seu marido, nas contratações com dinheiro público pela Fundação que preside. Como jornalista e alguém que já integrou o governo, entende que essa satisfação pública, até para se negar e desmentir, seria devida?
Ricardo André – Acho essa história de A Massa, Lucas Cebola e outras bandas que estariam sendo contratadas seguindo o mesmo itinerário de interesses, o menor dos males e o menor dos gastos que a gente verifica todos os dias, até mesmo para a área cultural. Para  quem acompanha o Diário Oficial é fácil perceber que as despesas com as bandas locais em alguns casos são até constrangedoras de tão baixos os cachês em detrimento dos artistas de fora. Então, o favorecimento parece existir num contexto total e não apenas em relação ao marido da presidente da Fundação. Por exemplo, artistas que são reconhecidamente amigos da prefeita, como a cantora Joana, com cachê de R$ 50 mil; Elymar Santos, de R$ 38.900 ; e o agora companheiro de partido, Neguinho da Beija Flor, que recebeu R$ 53.108, estão sempre sendo contratados para cantar na cidade. As bandas locais ganham muito pouco, quase nada perto de cachês como os de Maria Bethânia, a R$ 233.750,00, ou Michel Teló, que custou R$ 158.950,00. Todos esses valores são oficiais e foram postados em meu blog com recortes dos atos oficiais do Diário Oficial. No verão do Farol de São Thomé, por exemplo, foram cerca de R$ 2 milhões só em cachês, fora os trios elétricos, palcos, transporte, hospedagem, luz, som, bufett, segurança, etc. Quanto ao fato de a PMCG ou FCJOL não se  pronunciarem sobre as críticas que recebem, isso é uma determinação de governo ignorar tudo e tentar desqualificar o crítico. Um governo que tem em torno de 70 % de aprovação pode fazer isso. Mas que cidade não daria uma aprovação tão alta com uma campanha de televisão tão massiva como estamos vendo agora. Em cada intervalo da programação das retransmissoras locais da Globo e Record entra propaganda da Prefeitura de Campos e que mostram uma cidade sem problemas, com remédios nos postos de saúde e onde até o Ferreira Machado é hospital de primeiro mundo, Um governo que estupra a realidade desse jeito precisa dar satisfação a alguém?
Folha – Soffiati citou o pensador francês Abraham Moles para considerar a cultura pública de Campos, desde o primeiro governo Anthony Matheus, como “autoritária” e “populista”. Ele foi além, afirmando que o grupo político que assumiu o poder em 1989, passou a ver a cultura como uma maneira de se fazer política partidária e ganhar dinheiro ilícito. Como alguém que participou do primeiro escalão da Prefeitura entre 1990 a 96, tem algo a dizer sobre o que viveu e viu?
Ricardo André – O grupo político que assumiu em 1989 almejava mudar o mundo e acho que conseguimos alguns êxitos no início. Para mim, pessoalmente, o divisor de águas foi 1994, na primeira candidatura de Garotinho ao governo do Estado, quando ficou claro que o sonho não era de um grupo e sim a obsessão do líder do grupo. E para literalmente financiar este sonho valia tudo e penso que na raiz de tudo, de todos os males, desvios de conduta e todos os malfeitos de 94 para cá são para alimentar essa obsessão. E aí entram os oportunistas que ganham fortunas para integrar essa engrenagem. Mas nem sempre foi assim. Sou de um tempo em que não tínhamos carro oficial, quando hoje são dezenas alugados e alguns até blindados; quando viajávamos com dinheiro do nosso bolso, quando eu mesmo fui a Cuba em 1991, na comitiva de Garotinho pagando a própria passagem. O que eu vi em seis anos de governo foi uma mini-revolução numa cidade que tinha duas creches, poucas escolas, não tinha pronto socorro. É certo em 1989 tinha uma nova Constituição em vigor que deu mais dinheiro aos municípios e os royalties começam a, timidamente ainda, a pingar nos cofres da Prefeitura. Mas havia uma vontade enorme de romper aquele ciclo comandado há décadas por Zezé Barbosa, Rockfeller e Alair Ferreira, que era o que mais repudiávamos. Com Garotinho, à frente daqueles homens e mulheres, todos na faixa dos 30 anos, demos o melhor de nossas vidas por um projeto que, pelo menos eu, pensava ser para a cidade. É dessa época o início da construção do novo Trianon, da primeira grande reforma do Teatro de Bolso, do início do projeto “Pra Ver a Banda Passar”, que por vários anos garantiu a subsistência das bandas tradicionais de Campos. Não houve um ano neste período em que a Prefeitura não promovesse festivais de teatro universitário, infantil e das escolas municipais, sem falar nos festivais de música e poesia. Só restou o de poesia. Investir dinheiro público em comunicação já estava no modus operandi de Garotinho, mas tínhamos uma preocupação de usar boa parte da verba para campanhas educativas e para apoiar peças de teatro com anúncios na televisão. Em termos de comparação tudo é muito distante. Para se ter uma ideia, o orçamento da Secom no último ano da minha gestão, em 1996, era de R$ 600 mil, enquanto em 2013, é de R$ 16 milhões. Cristina Lima, com quem trabalhei em parceria todo esse tempo, eu na Secom e ela na FCJOL, disse aqui mesmo na Folha que o que ela gastou no verão de 1996 foi em torno de R$ 190 mil reais. Mesmo com a inflação no período, que não foi grande coisa, é uma distância amazônica, como diria Nelson Rodrigues. No último verão, o governo Rosinha gastou R$ 190 mil só com o cachê de dupla sertaneja Jorge e Matheus. Ressalto que esse fenômeno da espetaculização com dinheiro público não é só em Campos. É um mal que se alastra pela região e praticamente todo o país.
Folha – Em outra análise historiográfica, Deneval afirmou que aquilo que identificou como “garotização” foi “péssimo” à cultura de Campos. No que viu dentro e depois fora do governo, qual a sua avaliação?
Ricardo André – O garotismo não foi péssimo apenas para a cultura de Campos. A história vai mostrar que a transformação do município numa capitania hereditária ainda vai nos custar décadas de atraso. Esse falta de compromisso com a res publica e a utilização privada dos bens que são de todos como se fosse a regra, vai deixar marcas profundas, muito maiores daquelas que tentamos apagar e deixadas pelos coronéis do passado. Superaram em tudo. Hoje temos uma sociedade civil cooptada e não pelos belos olhos dos governantes. É doação de um terreno da municipalidade para uma entidade de classe aqui, uma verba para ajudar outra entidade a realizar um evento ali e não há mais ambiente para crítica. E isso é terrível porque o governante e sua entourage se habituam à bajulação e recebem crítica como ofensa. Jânio Quadros dizia, embora não sei se praticasse, que preferia o “elogio que constroi ao elogio que corrompe”.
Folha – É irônico um grupo que assumiu o poder em Campos, egresso do teatro, hoje sofrer tantas críticas justamente em sua política cultural?
Ricardo André – Em Campos não existe uma política cultural. Existe só a política eleitoral. Tudo é feito de olho no eleitor. O foco é o voto e como fazer para conquistá-lo. Parece que Campos  não tem cidadão, só eleitor. Aqui e ali tem uma iniciativa ou outra, mas o forte, como já disse, são os eventos grandes e caros com utilização de grandes estruturas alugadas e para juntar gente. O governo Rosinha não desce do palco nunca. Cadê o programa de incentivo à leitura? Com o dinheiro de um show de Jorge e Matheus e outro de Maria Bethânia você compraria um caminhão para fazer uma biblioteca itinerante. Dois shows de Michel Teló garantiriam a sobrevivência, por mais de um ano, das centenárias bandas que estão à míngua. E a política de publicação de livros de autores campistas?  Formação de plateias para teatro? Nada! Cinema itinerante? Nada! Então não temos política cultural. Cultura no governo Rosinha, só a da gastança.
Folha – Você participou da gênese desse grupo político desde os seus tempos de palco, no início dos anos 1980. Como foi a experiência de ensaiar, atuar e viver o burburinho da encenação de peças como “Precisa acontecer alguma coisa”, em 83, escrito e dirigido por Anthony e Fernando Leite, ou “Brava gente brasileira”, em 85, escrita por Fernando e dirigida pelo hoje deputado federal e pré-candidato a governador do PR, ambas no Teatro de Bolso?
Ricardo André – Foi um período extremamente rico para todos nós que o vivemos. Éramos todos muito jovens, idealistas, cheios de energia para mudar o Brasil que ainda vivia o final de uma ditadura militar e os textos eram políticos, panfletários e com foco nas questões sociais locais. “Precisa Acontecer Alguma Coisa” completa 30 anos agora, em outubro ou novembro, e o texto retratava os núcleos da sociedade em esquetes: a família, o partido político, o casamento e a igreja. Amarrando tudo isso tinha um editor de jornal, personagem de Anthony, chamado Martinho, numa homenagem a Martinho Santafé, jornalista que atualmente mora em Macaé. Enquanto aguardava um telefonema do hospital sobre o parto de seu primeiro filho e a expectativa de acontecer alguma coisa que valesse a manchete do jornal, Martinho comentava as cenas até que seu filho nasceu e esta virou a manchete do jornal que era distribuído à platéia. Neste jornal tem um artigo meu que diz assim: “o texto soou assim como um clarim, não de verdades absolutas, pois utópico seria, porém, como um clarear dentro de nós, de conscientização de que alguma coisa precisa ser feita. Primeiro dentro de nós, depois, dentro das instituições das quais fazemos parte, para assim, transformarmos a sociedade”.
Folha – Alguma coisa se perdeu nesses mais de 30 anos de imitação entre a vida e a arte? O que, quando, como, onde e por quê?
Ricardo André – Relendo agora o texto acima, vejo que evolui muito pouco nestes 30 anos. Penso como pensava em 1983. Quem mudou não fui eu. Quando mudaram eu não estava por perto. Quando? Quando se deixaram mudar ao invés de mudar os outros e o porquê não me arrisco a palpitar. Da minha parte, me contento em dar minha contribuição como jornalista, profissão da qual não mais sobrevivo, mas exerço-a como voluntário num blog ao qual dedico boa parte das minhas horas de folga.
Folha – Em seu entender, como aqueles Anthony e Rosinha dos anos 80 enxergariam e reagiriam, no palco e fora dele, à política feita pelos dois, hoje, no município? Falta a quem a eles se opõem a efervescência e a coragem daquele Bolinha ainda pré-Garotinho? Seria possível para um grupo de teatro da Campos de hoje chegar aonde vocês chegaram? Por quê?
Ricardo André – Por muito menos meteram o pé na porta assumiram, vergo que hoje conjugamos  “ocuparam”, o Teatro de Bolso no último dos três governos Zezé Barbosa. Como acho que  a história não se repete nem como farsa, acho que vai levar muito tempo para Campos produzir outro Bolinha ou outro Garotinho, tanto para o bem quanto para o mal, não respectivamente e sem maniqueísmo. Se a oposição, que como disse a deputada Clarissa Garotinho, “não faz nem cosquinha”, tivesse metade da disposição do Bolinha, ou metade da disciplina do Garotinho, o embate político local não seria tão desigual. Uma parte da oposição finge ser oposição e outra é menos corajosa do que se esperava.
Folha – Artur Gomes, que chegou a participar do primeiro governo municipal de Anthony, embora tenha afirmado que o então prefeito começou a romper com as diretrizes do “Muda Campos” já a partir de 1991, não deixou de se lembrar saudoso daquele primeiro verão do Farol, em 89, quando afirmou que Campos tinha mais cultura, com muito menos dinheiro, sendo endossado por Cristina Lima, então presidente da FCJOL. Concorda com ambos? Também sente saudades? Do quê?
Ricardo André – Pode ser o romantismo dos derrotados, mas sinto falta das dificuldades que nos obrigava a ser mais criativos. Das noites no Bar Doce Bar depois dos ensaios ou dos espetáculos. Das sessões de cinema que fazíamos num circo à Beira-Mar nos primeiros verões no Farol de São Thomé…
Folha – Em seu blog, o jornalista Alexandre Bastos usou (aqui) uma foto do show de Michel Teló na festa de São Salvador, com 40 mil pessoas, para constatar que foi mais que o dobro da somatório de público do ato em defesa dos royalties, dos protestos dos Cabruncos Livres, da passeata dos médicos e do abraço ao Asilo do Carmo. No frigir dos ovos entre cultura, saúde, solidariedade e, sobretudo, política, é essa aritmética que de fato interessa a quem governa Campos? Há como mudar?
Ricardo André – Essa história de calcular multidões é, geralmente, furada. Duvido que caibam na Praça São Salvador 40 mil pessoas. Na segunda passeata dos Cabruncos tinha um público compacto, praticamente da Praça das Quatro Jornadas até à Catedral. Então, quem me garante que no evento dos Cabruncos tinha 5 mil pessoas e no Michel Teló 40 mil? Com os Cabruncos eu estava lá; no show de Teló, não, é claro! O que faz as pessoas se juntarem é a mobilização de cada um e de seus grupos sociais e, eventualmente em momentos de consciência coletiva, como nas passeatas de junho deste ano e nas concentrações pelas diretas já em 1983/1984. Para o governo, qualquer governo, multidão boa só se for a favor. Contra é oposição raivosa. Como mudar?  Fico com o nosso grande Ariano Suassuana sobre as três grandes virtudes cristãs, “claudico na fé, deixo a desejar na caridade e tento me salvar na esperança”.

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