domingo, 22 de novembro de 2015

GERALDO VENÂNCIO DIZ QUE PREFERIA O HOSPITAL SÃO JOSÉ PRONTO ANTES DO CEPOP

Com respostas francas, diretas e sem tergiversar, o novo (de novo) secretário de Saúde de Campos, Geraldo Venâncio mostrou,em entrevista na Folha da Manhã deste domingo (aqui), que é possível enfrentar os graves problemas da área com diálogo, gestão e sem as bravatas dos seus chefes.
Aliás, chama atenção na entrevista a quase total ausência de citação do nome da prefeita de direito e omissão absoluta ao de fato.
 Pela primeira vez neste governo, alguém teve a coragem de dizer que preferiria ver o Hospital São José pronto antes do Cepop, mas sem deixar de cutucar a oposição.

Folha – A demanda pelo HSJ, antes de construir o Cepop, ela já não existia?
Geraldo – Claro. Sou da Saúde, se você me perguntar se eu achava que deveria ter sido feito primeiro, eu digo que deveria. Mas, estou falando como médico. Você não vê ninguém dando opinião no plano pedagógico da Prefeitura, em parcela de relevância técnica de obras, mas na Saúde. Tem um vereador que é do Detran, que fala que a enfermaria, ao invés de ter sete leitos, deveria ter somente cinco, com uma autoridade. Uma coisa é fazer postulações, agora, dar opinião sobre questões técnicas?

Aliás, o próprio Venâncio foi dos mais ácidos críticos do Garotismo até poucos anos atrás. Mas teve e tem independência para mudar de lado. Como dia J.K. "mudo de ideia porque não tenho compromisso com o erro". Melhor ainda é saber que os erros também mudam.




Abaixo, na íntegra a entrevista:

“A crise não excluiu a Saúde”

Marcus Pinheiro
Foto: Genilson Pessanha
Com quase 40 anos no exercício da medicina e já com experiências anteriores na gestão da Saúde, o médico Geraldo Venâncio está de volta ao comando da pasta, substituindo o também médico e vice-prefeito de Campos, Chicão Oliveira. O secretário cita a construção de novas Unidades Básicas de Saúde entre uma das soluções para o atual cenário. Geraldo diz que não há “caos”, mas que existem algumas dificuldades a serem superadas. A raiz do problema, no entanto, não é apenas no município, já que o secretário relatou atraso inclusive de medicamentos e vacinas por parte de entes federal e estadual.
Folha da Manhã – O senhor há pouco mais de dois anos esteve à frente da secretaria de Saúde, e naquele momento, foi substituído pelo Dr. Chicão. O que mudou desde aquela época, e o que pode ser feito de forma diferente nesta passagem pela secretaria?
Geraldo – Na verdade, tenho que considerar inicialmente que, por mais que se possam fazer comparações e analogias, são períodos diferentes no ponto de vista de contexto. Hoje existe uma crise nacional e no estado e região, em função dos royalties do petróleo. No entanto, os programas novos, que foram incluídos na gestão da prefeita Rosinha (PR), foram mantidos. O que existiu nesse momento foi em função das dificuldades, para se tentar promover algumas adequações em função do próprio momento de crise. A questão da Saúde é que o município, de 2009 para cá, agregou muitas coisas novas caras. A começar pelo programa municipal de vacinação, que incluiu a Prevenar, a vacina contra o HPV, hepatite A. Com relação ao programa de distribuição das fórmulas, que chamam de leite, houve um crescimento muito grande. O governo municipal gasta com os leites especiais cerca R$ 1 milhão por mês.
Folha – Em relação aos leites especiais, não há nenhuma contrapartida do estado ou do governo federal?
Geraldo – É tudo por conta do município. O que estamos preparando agora, e nisso eu tenho experiência, é o cadastramento. Além da parte médica, haverá visitas domiciliares, nos mesmos moldes do cadastramento do programa Cheque Cidadão. Neste caso, de 21 mil pessoas, 10 mil foram cortadas. A partir de agora, tudo será checado. Existem crianças com intolerância a lactose e alergia alimentar em outros municípios? Existem. Mas elas são de responsabilidade da prefeitura onde residem. Então, suponho que esse cadastramento irá identificar isso também.
Folha – Com relação aos problemas que vêm ocorrendo nos hospitais, sendo os últimos: sistema de refrigeração comprometido, tomógrafo quebrado, serviço de limpeza paralisado possivelmente por falta de pagamento da Prefeitura, o que está havendo com a Saúde em Campos?
Geraldo – A crise que acomete o Brasil não excluiu a saúde. A conjuntura induziu o surgimento de problemas. Eu só não concordo com o “caos” na Saúde. Eu faço um desafio a todas as pessoas que moram em Campos e têm parente que mora em outra cidade do estado. Perguntem como está em Niterói, no Rio. Não fazer, como alguns segmentos da oposição tentam fazer: “bom, se o foco é a saúde, vamos ganhar a eleição batendo na saúde”. Não vejo uma proposta surgir. É só bater. Sou médico há 40 anos do SUS, e corredor não é lugar para ter doente. Mas, na emergência nível 3, é o corredor ou a rua. A pessoa que está no corredor já fez tomografia, está com punção venosa feita, já fez outros exames. Sem falar que, a qualquer momento que se entre no hospital, de 28% a 30% dos internados são de fora do município. Lógico que quando estiver pronta a nova emergência do HGG não vai ter mais paciente no corredor.
Folha – O que acaba acontecendo em muitos casos é que as pessoas buscam o atendimento nas UPHs e não conseguem a resolução de seus problemas nessas unidades. Então, elas são encaminhadas para os grandes hospitais. Não é isso o que acontece?
Geraldo – Sim. Casos de baixa e média complexidade que poderiam ficar nessas unidades. As UPHs ainda não conseguem resolver todas as ocorrências. Nem sempre colhem sangue para alguns exames, muitas vezes os colegas de plantão não têm adestramento, treinamento para fazer uma sutura simples. E nós não nos damos com a ciência perfeita, nos damos com médicos.
Folha – O município recebe uma complementação para atender pacientes de outros municípios?
Geraldo – Sim, recebe. Campos é o único município do estado que faz complementação. A tabela do SUS é assim: tem a alta complexidade, que você não tem dificuldade. Você não vê ninguém chegar aos meios de comunicação ou blogs dizendo que não conseguiu fazer uma cirurgia cardíaca, ou que não teria conseguido fazer tratamento de câncer em Campos. Porque na alta complexidade, a tabela do SUS é boa. Não é excepcional, mas é boa. Quanto aos procedimentos de média complexidade, há quase 17 anos a tabela do SUS não é revista. Aí entrou essa tabela de complementação que o município faz. E ainda há gente que diz que é um absurdo a complementação desses procedimentos. Seguramente Campos está complementando para pessoas que não moram aqui.
Folha – Mas, no HFM, por exemplo, que é referência no setor de urgência e emergência, ele não recebe verbas específicas para atender pacientes SUS de outros municípios?
Geraldo – Não. Os que recebem verba específica são chamados de hospitais de referência. O que recebe é a tabela do SUS. Mas, imagine, o HFM tem uma equipe com mais de 30 médicos de plantão em diferentes especialidades. A portaria que norteia o hospital de emergência nível 3 recomenda que presencialmente teriam que ter 14 médicos. O HFM tem um compromisso regional. Só que o que aconteceu foi que o compromisso se transformou em macro-regional. Fui eu quem pactuei, eu estava na secretaria quando ele foi assinado, e na ocasião eles até brincaram que ficou acertado assim: Campos iria cuidar dos santos e Macaé dos índios. Então, Macaé cuida de Quissamã, Carapebus e Conceição de Macabu, e Campos de São Fidélis, São Francisco e São João da Barra. O hospital de Macaé é um bom hospital, mas tem unidade de emergência, Unimed e maternidade no mesmo lugar, e eles acabam vindo para cá.
Folha – Voltando a falar sobre os corredores, tem um caso recente que a Folha publicou, com relação à paciente Leire Daiana, que morreu no corredor do HGG após apresentar problemas cardíacos e ter ficado sem monitoramento. Esse caso não deveria ter sido encaminhado a outra unidade? Deixar pacientes nos corredores é o espelho da Saúde de Campos?
Geraldo – Eu não tive acesso ao prontuário, mas talvez tivesse que ter ultimado a transferência de lugar, mesmo que dentro do próprio hospital. Porque um infarto, não sei se essa foi a causa da morte, em uma pessoa de 33 anos é muito mais trágico do que em uma com 60. Agora, se foi feito um eletro, concorrente de lesão miocárdica, compatível com um infarto, ela tinha que estar em um lugar com mais suporte. Este é um caso mais específico. O corredor não é lugar para abrigar pacientes que estão sendo avaliados com eventual internação. Mas, quando chega à porta da emergência, é o corredor ou não pode receber o paciente. Houve dificuldades com hospitais, em especial com a Santa Casa, tudo é um sistema, vai ver que isto acumulou alguma coisa. E não estou conformado com esta situação. Agora, só não vai ter mais corredor quando a gente acentuar essa parceria com os hospitais, que estamos tentando construir. Estou tentando de uma forma cordial convencer os hospitais de que a relação que o governo tem com eles não é de convênio, é de contratualização.
Folha – Mesmo se não estiver pagando?
Geraldo – Isso é outra coisa. Eu não falo por períodos nos quais eu não estava à frente. Existe uma coisa com relação a recurso federal que é a parte maior que os hospitais recebem. Tem uma norma federal que diz que o recurso deve ser repassado para quem prestou o serviço em até cinco dias úteis. Nós repassamos no segundo dia útil. Existem atrasos de repasses municipais? Eu não posso pagar nada sem auditar. Uma coisa é a dívida que o hospital apresenta, a outra é dívida auditada. Já tem dois hospitais em que a auditoria está conclusa, vou apresentar ao governo: olha, o que deve é isso. Vou sentar com os hospitais, estabelecer um acordo para compor como vai ser paga essa dívida. Reconheço, existem pendências nos recursos nessa complementação da média complexidade, que é a parte menor do repasse. Para um paciente internado, a parte maior são recursos de fonte federal.
Folha – Santa Casa, especificamente, que tem dado toda uma polêmica em virtude de impasses na Justiça, o que está previsto? É algo que já foi contornado ou ainda há alguma dificuldade?
Geraldo – Existe uma questão em debate público, que não envolve os médicos. O que se confundiu muito é que a Prefeitura teria assumido a Santa Casa, isso não houve em momento algum. O que aconteceu foi que a Santa Casa, sem nenhuma comunicação prévia, suspendeu as novas internações. Chegou num momento em que eu estava com 103 pacientes na emergência do Ferreira e 54 no HGG. Busquei a procuradoria do MP, em busca de uma solução. O que foi concedido foi, diante da ruptura com relevante interesse da população, garantir a internação. Nada além disso.
Folha – E esse cronograma de repasses federais até o segundo dia útil será mantido?
Geraldo – Esse é um compromisso meu com os hospitais. Por que antes estava havendo algum tipo de adequação? Eu não sei. Tem que perguntar ao colega que estava aqui. Não estou falando em nome do governo, estou falando em meu nome, nós não temos nada a ver com as questões trabalhistas da Santa Casa, com as pendências. Não temos nada a ver com os desmandos eventuais da gestão anterior que eles herdaram.
Folha – O município hoje tem ciência do valor da dívida com a Santa Casa?
Geraldo – Está se auditando. Da parte de internação de média complexidade já está concluída. Eu não gostaria de adiantar números, mas o Dr. Chicão reconheceu R$ 1,5 milhão. A Santa Casa em uma semana disse que eram R$ 7 milhões, na outra R$ 5 milhões e em seguida foi para R$ 9 milhões. O que vai ser feito, semana que vem espero eu, é um encontro de contas. Porque quem glosa a autorização de internação é o ministério da Saúde. Outra coisa que dificulta muito é que não tem orçamento que acompanhe a evolução da tecnologia. Há 15 anos, a pessoa operava e botava um parafuso, agora o ortopedista pode exigir uma prótese de titânio. Todo mundo acha que a Prefeitura tem que prover tudo, só que uma prótese de titânio custa de R$ 98 mil a R$ 100 mil, que você tem que se virar e comprar. A compatibilização disso é extremamente difícil. A saúde ficou muito cara. Há evolução tecnológica em equipamentos, órteses e próteses, medicamentos. A chamada farmácia básica, que o governo federal dava uma ajuda, contempla 139 itens. A relação municipal de medicamentos em Campos tem quase 250. Noventa por cento do custo dessa cesta de medicamentos são pagos com royalties, pelo município. O governo federal faz muita propaganda, mas está dificultando a entrega de “BCG”. Nascem 8 mil crianças por ano em Campos e todas têm que tomar a BCG.
Folha – Muito se cobra em relação à Prefeitura, mas, por outro lado, existem certas limitações, tanto por parte do governo do Estado, quanto por parte da União. O que isso de fato tem impactado na Saúde de Campos?
Geraldo – Na questão dos medicamentos, a legislação prevê que alguns são de responsabilidade do Estado, e têm medicamentos que são de responsabilidade do governo federal. Do Estado, tem itens atrasados há seis meses. Assumimos essa distribuição dos medicamentos do Estado para beneficiar a população. Agora, o governo federal, pelo amor de Deus, atrasar uma vacina?
Folha – Recentemente, na série “princípios para Campos”, vários médicos apontaram que uma das soluções seria preparar as UBS. O que será feito?
Geraldo – Existem algumas já sendo reformadas, mas houve desaceleração em algumas obras. Atualmente, a Prefeitura vem investindo na construção e na reforma de 22 unidades. O objetivo é melhorar o atendimento na rede municipal. Deste total, 11 estão sendo construídas em parceria com o governo federal. Alguns dos bairros contemplados são: Tapera, Parque Imperial, Jóquei II, Lagoa das Pedras, Aeroporto, Parque Rodoviário, Pecuária (2 unidades), Parques Salo Brand, Rio Branco, São Benedito e Esplanada. Uma coisa positiva é que no período do Dr, Chicão conseguiu-se configurar 26 polos do ESF e, o projeto é de que até o final de maio cheguemos a 50. Isto, provavelmente, na ordem de tempo, vai diminuir a superlotação de hospitais, pois está comprovado que o ESF é muito mais resolutivo perifericamente do que as UBSs convencionais.
Folha – A gente tem acompanhado a Prefeitura buscar a antecipação de recursos. Você acredita que isso seria o impulso para a retomada mais acelerada dessas obras?
Geraldo – Sem dúvidas! O governo está planejando, ao saírem esses recursos, não iniciar nenhuma obra nova, mas concluir as que estão em curso. Ainda tem o hemocentro regional. Esperamos que no início do próximo ano já consigamos iniciar a obra, que contará com R$ 10 milhões de recurso federal e R$ 900 mil de recurso municipal.
Folha – O juiz da 1ª Vara Cível de Campos, Elias Pedro Sader Neto, quando anulou o decreto da Prefeitura, citou alguns gastos como os direcionados à “bizarra” Cidade da Criança” e o “subutilizado Cepop” e disse que a prefeita reconheceu que a Saúde gerida por ela há sete anos está em estado de calamidade pública. O senhor concorda com a análise do juiz? Por quê?
Geraldo – Eu li a sentença, uma peça até robusta, animada. Eu não tenho esta análise da prefeita. No texto ele coloca na boca da prefeita estas palavras, não tem notícia disto. E também não nos cabe debater textos. Eu penso com todo respeito, e não estou falando em relação ao juiz, que para governar você tem que ganhar a eleição, não é verdade? Eu acho isso. Existe uma coisa que é o poder discricionário, pessoa que não lutou por um voto querer dizer onde é que vai gastar o dinheiro. Há pessoas que fazem oposição política que é tão valiosa que nos orienta, são propositivas. Agora, a pessoa que é contra porque é contra, vai ser contra tudo.
Folha – A demanda pelo HSJ, antes de construir o Cepop, ela já não existia?
Geraldo – Claro. Sou da Saúde, se você me perguntar se eu achava que deveria ter sido feito primeiro, eu digo que deveria. Mas, estou falando como médico. Você não vê ninguém dando opinião no plano pedagógico da Prefeitura, em parcela de relevância técnica de obras, mas na Saúde. Tem um vereador que é do Detran, que fala que a enfermaria, ao invés de ter sete leitos, deveria ter somente cinco, com uma autoridade. Uma coisa é fazer postulações, agora, dar opinião sobre questões técnicas?
Folha – Você não acha que uma UBS, que é uma porta de entrada, ter como administrador alguém que não tenha conhecimento do que é a máquina da Saúde, não pode acabar atrapalhando?
Geraldo – Já fiz uma postulação que essas UBSs sejam geridas por enfermeiros estatutários com função gratificada. Mas, é uma ideia. Há junções de natureza política que, eventualmente, não contemplam essa ideia. Mas é um modelo que está em processo de extinção.
Folha – Chicão é o pré-candidato natural do grupo político para disputar a Prefeitura. A saída dele visa evitar esse tipo de desgaste?
Geraldo – A Saúde é um lugar tão desgastante que o secretário deveria ter um mandato, tempo determinado. Com relação a Chicão, é uma das pessoas mais doces, sujeito afável, cara cordial. Na Saúde, tem que ter disposição para o enfrentamento. Fiz o Hospital de Guarus, abri o Álvaro Alvim, você vai construindo sua história e de repente você toma pancada de tudo quanto é lado. O secretário de Saúde tem dois monopólios: os processos judiciais e a pancada da mídia. Esses vêm para o secretário.
Folha – Ao falar nas dificuldades de repasses federais e estaduais, parece uma reação às pessoas que têm ligação nessas esferas, mas criticam o municipal. Existe a possibilidade de união?
Geraldo – Na terça-feira haverá uma audiência pública, esta é uma oportunidade. Sugeri ao presidente que falasse com os vereadores da oposição para um debate que seja propositivo. Se você faz um debate concentrado dentro do que é possível, a audiência tem um grande valor. Caso contrário, não faz sentido.
22/11/2015 11:00

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