quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

DECISÃO DE GILMAR REVOGA PRISÃO DE GAROTINHO. NÃO VAI USAR NEM TORNOZELEIRA ELETRÔNICA



A decisão do ministro Gilmar Mendes, que mandou soltar o ex-governador Anthony Garotinho, na íntegra. Ele deve deixar o presídio de Bangu 8 na tarde desta quinta-feira, de acordo com informação postada agora há pouco no Blog do Garotinho (aqui). Detalhe: a decisão de Gilmar foi tomada no primeiro dia do recesso judiciário porque ele é presidente da Corte e responsável pelo plantão e revoga o decreto de prisão preventiva, ou seja, Garotinho não precisará usar tornozeleira eletrônica como a mulher, Rosinha, que teve sua prisão preventiva convertida em medidas cautelares pelo TRE.

A decisão:

RECURSO ORDINÁRIO NO HABEAS CORPUS Nº 0600186-44.2017.6.19.0000 – CLASSE 1344 – CAMPOS DOS GOYTACAZES – RIO DE JANEIRO

Relator: Ministro Jorge Mussi
Paciente: Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira
Advogados: Fernando Augusto Henriques Fernandes e outros


DECISÃO

1.                     Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido de medida liminar, interposto do acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro exarado nos autos do HC nº 0600186-44, que manteve a prisão preventiva do ora paciente nos autos da Ação Penal nº 12-81/RJ.

Nas razões deste pedido de medida liminar, o recorrente narra:

a) “está fundamentado em duas premissas largamente explicitadas no bojo do Recurso Ordinário, quais sejam: (i) a flagrante incompetência da Justiça Eleitoral para processar e julgar o feito originário, com pedido de suspensão imediata da ação penal; e (ii) a completa ilegalidade e desnecessidade da prisão preventiva imposta ao Recorrente, cujo decreto de prisão já foi inclusive reconhecido como ilegal pelo Exmo. Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC 151.403, do STF, em favor de corréu” (fl. 1);

b) na linha do voto por mim proferido nos autos do REspe nº 75-08.2016.6.24.0000, pelo trancamento da ação penal, o delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral tem caráter subsidiário, funcionando como um “soldado de reserva”, devendo ser aplicado apenas quando ausente norma mais grave, o que não ocorreu na espécie, já que o impetrante está respondendo por crimes mais graves (arts. 154 e 317 do CP), o que afasta a competência desta especializada;

c) tanto o decreto de prisão originariamente coator quanto o acórdão recorrido deixaram de citar a possibilidade de aplicação das medidas alternativas do art. 319 do CPP, de modo que se apresentam contrários à ordem legal estabelecida;

d) a fundamentação da prisão está calcada em um fato claramente atípico, consubstanciado em falsa acusação de extorsão, já que “sequer o próprio colaborador André Luis afirma ter sido ameaçado” (fl. 4);

e) demais disso, “este ato teria sido supostamente cometido por terceiro, e na prática não constitui qualquer ameaça, segundo o próprio depoimento que fundamenta a imputação [...], [de modo que consiste em] uma clara tentativa de distorção da realidade, tentando fazer com que o Poder Judiciário balize uma narrativa criada, que sobremaneira vai de encontro aos próprios depoimentos que motivaram a prisão preventiva” (fl. 4 – grifos no original);

f) a fundamentação da prisão preventiva não promove a individualização da alegada participação de todos os réus, limitando-se a consignar que “em uma [suposta] organização criminosa, não é possível separar condutas entre os integrantes” (fl. 4);

g) tal ato coator já foi objeto de apreciação pelo STF, nos autos do HC 151403, no qual se “reconheceu a arbitrariedade e a desfundamentação do decreto prisional, e concedeu medida liminar para revogar a prisão preventiva do corréu Fabiano Rosas Alonso, em superação à Súmula nº 691 do Supremo Tribunal” (fls. 4-5).

No tocante ao periculum in mora, afirma consistir na proximidade da audiência de instrução e julgamento do feito originário, designada para 10.1.2018, “a despeito de prazo aberto para Resposta à Acusação de alguns réus, pelo menos, até o dia 17 de janeiro, justificando-se por completo a suspensão da referida ação penal, com cessação dos efeitos da decisão que decretou as prisões preventivas de todos os réus” (fl. 3).

Requer, por fim, “a urgente apreciação do pedido liminar do Recurso Ordinário, para, em caráter de subsidiariedade: (i) suspender a ação penal nº 12-81.2017.6.19.0098, em trâmite perante a 98ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes/RJ, em razão da flagrante incompetência da Justiça Eleitoral, suspendendo-se, também, o efeito da decisão que, de maneira absolutamente desfundamentada, decretou a prisão preventiva de todos os réus; ou (ii) revogar a prisão preventiva do Recorrente, consubstanciado em todos os fatos e fundamentos expostos, tanto no bojo do Recurso quanto na presente petição, e em consonância com a liminar do Exmo. Ministro Dias Toffoli nos autos do HC 151.403 do STF, onde claramente reconheceu a ilegalidade do decreto prisional originário, que ordenou a segregação de todos os réus” (fl. 5 – grifos no original).

Decido.

2.                    Neste juízo provisório, não verifico a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Quanto à garantia da ordem pública, o Regional consigna:

Cabe aqui trazer à colação trecho da decisão ora impugnada a qual se refere aos depoimentos prestados pela testemunha Ricardo Saud:

“Relata a testemunha que, diante da insistência do réu Antônio Carlos Rodrigues e do problema causado pelo réu Anthony Garotinho, ficou estabelecido que a JBS faria uma doação via “caixa 2” para o segundo no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), e que Fabiano Alonso, genro do réu Antônio Rodrigues, ficaria responsável por operacionalizar o repasse da propina, mediante envio de uma nota fiscal fria para uma empresa de acordo com o que foi acordado entre Fabiano Alonso e o grupo da ORCRIM, liderado pelo réu Anthony Garotinho.”

A decisão faz minuciosa referência à prova documental, que imputa ao réu, ora paciente, graves condutas. Senão vejamos:

“Não bastassem os numerosos e esclarecedores depoimentos, os fatos narrados pelo colaborador e demais testemunhas são também corroborados por farta documentação, podendo-se citar os documentos de fl. 73/94, referentes a e-mails de negociações entre a JBS e a empresa OceanLink para formalização do contrato simulado a fim de favorecer o réu Anthony Garotinho com o depósito da quantia em torno de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) para sua campanha eleitoral ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. Ressalto ainda a nota fiscal relativa ao contrato e seu pagamento, constante de fl. 40, bem como o referido contrato ideologicamente falso, constante de fls. 41/51.”

Nesse ponto, cabe trazer à colação trecho da decisão ora impugnada a qual se refere aos depoimentos prestados pelo colaborador André Luiz antes de firmar o termo de colaboração:

“À fl. 208, retira-se o seguinte trecho, verbis: ‘que segundo Thiago Godoy, o reinquirido devia pagamento de contribuições por faturas que haviam sido pagas a Working; que essas contribuições funcionavam como condição para o recebimento de créditos contratuais com a PMCG; que Thiago Godoy disse que para liberar os pagamentos da Working, o reinquirido, deveria pagar cerca de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais); que Thiago Godoy disse que ‘o chefe’ precisava desses recursos para ‘dar seguimento ao projeto político’; que ‘o chefe’ referido por Thiago Godoy é Anthony Garotinho. Ressalte-se que o colaborador André Luiz também é proprietário da empresa Working acima referida”.

“Já às fl. 210, o colaborador esclarece que por conta do acordado com os réus Thiago Godoy e Antônio Carlos Ribeiro, vulgo Toninho, a Prefeitura de Campos pagou a Working o valor de R$ 2.372.445,48 (dois milhões, trezentos e setenta e dois mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais e quarenta e oito centavos), em três prestações e que para cumprir sua parte no acordo, sacou R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em duas parcelas que foram entregues diretamente a Toninho, em frente a sua residência e dentro do carro daquele. Como já salientei acima, as declarações externadas pelo colaborador em três oportunidades foram corroboradas por vasta prova documental e oral, e diante da robustez do contexto probatório, bem como preenchidos todos os requisitos da Lei nº 12.850/13, foi prolatada a decisão de fl. 306/309 homologando o acordo de colaboração premiada adunado aos autos às fl. 248/252.”

Como se observa, nesta primeira parte da decisão, o TRE simplesmente relata o modus operandi dos alegados crimes praticados (art. 350 do Código Eleitoral – organização criminosa, corrupção passiva, extorsão e lavagem de dinheiro), sem indicar, concretamente, nenhuma conduta atual do paciente que revele, minimamente, a tentativa de afrontar a garantia da ordem pública ou econômica, a conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal.

Na verdade, o decreto de prisão preventiva, assim como o acórdão regional, busca o que ocorrido no passado (eleições de 2014) para, genericamente, concluir que o paciente em liberdade poderá praticar novos crimes, o que, a meu ver, trata-se de ilação incompatível com a regra constitucional da liberdade de ir e vir de cada cidadão, em decorrência lógica da presunção de inocência. Na sempre preciosa lição do Ministro Sepúlveda Pertence, a “necessidade da prisão preventiva há de partir de fatos concretos, não de temores ou suposições abstratas. Inidoneidade, no caso, da motivação da necessidade da prisão preventiva, que, despida de qualquer base empírica e concreta, busca amparar-se em juízos subjetivos de valor acerca do poder de intimidação de um dos acusados e menções difusas a antecedentes de violência, que nenhum deles se identifica” (RHC 83179/PE, julgado em 1º.7.2003 – grifos nossos).

A propósito, o Ministro Dias Toffoli, ao apreciar o pedido de medida liminar nos autos do HC 151403/RJ, que envolve corréu da mesma ação penal, concluiu pela superação da Súmula nº 691/STF e assentou:

Como visto o decreto prisional foi embasado na garantia da ordem pública e da instrução criminal, em face da necessidade se interromper a atividade criminosa e de se obstar eventual interferência na instrução do processo.
Esses fundamentos, neste primeiro exame, não podem subsistir em relação ao paciente.
Não se apega a reprovabilidade das condutas supostamente a jurisprudência consolidada da Corte assentou que a idoneidade do decreto de custódia cautelar reclama fundamentação com lastro em elementos concretos para justificá-los.
(...)
Destaque-se, ainda, que por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar (v.g. HC nº 127.186/PR, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavaski, DJe de 3//8/15).
Na espécie, o decreto prisional, no tocante à garantia da ordem pública, em face da necessidade de se interromper a atividade criminosa, não indicou elementos concretos e individualizados em relação ao paciente, aptos a demonstrar a necessidade de medida extrema, já que os fatos a ele imputados como visto, remontam ao ano de 2014, havendo, portanto, considerável espaço de tempo entre a sua decretação (17/11/17) e a intercorrência apontada. (Grifos nossos)

No que tange à garantia da instrução criminal, o Regional afirma:

A decisão proferida pelo magistrado da 98º Zona Eleitoral aborda precisamente este aspecto. Senão vejamos:

“Com suas atividades contínuas, os réus demonstram e acreditam que seus poderes estão acima da lei e da ordem, restando evidente que os mesmos exercem poder intimidativo sobre pessoas comuns e empresários, especialmente aquelas que estão envolvidas nos fatos ora objeto de cognição e que estão demonstrados no inquérito policial federal, razão pela qual é preciso resguardar a integridade física e mental do colaborador e demais testemunhas, assim como se faz imprescindível garantir a ordem pública, extirpando-se as práticas criminosas da ORCRIM, evitando-se a continuidade das atividades ilícitas com vistas a fraudar o processo seletivo eleitoral com o uso do inegável poder econômico obtido com recursos ilícitos.”
(...)

Em remate, para que não paire dúvidas sobre o efetivo dano potencial à instrução criminal decorrente de práticas hostis empreendidas pelo grupo criminoso, destaco excerto da decisão que descreve a coação sofrida pelo colaborador:

“Convém salientar que o colaborador André Luiz vem sendo constantemente assediado pelo réu Suledil Bernardino com intuito de sondar o colaborador e pressioná-lo a fim de que os fatos criminosos não viessem à tona. Neste ponto transcrevo o seguinte trecho do depoimento prestado pelo colaborador e constante de fl. 218, in verbis: ‘que essa intenção de Suledil Bernardinio ficou bastante claro para o reinquirido pela maneira como ele conduziu o diálogo, uma vez que frequentemente perguntava ao reinquirido sobre ‘como estava’, ‘se estava tudo bem’, ‘sobre como estava sua relação com o Governo atual’, ‘se estava tranquilo’, dentre outros questionamentos, feitos com o nítido propósito de perquerir o estado anímico e emocional do reinquirido.’”

A suposta ameaça teria como objetivo impedir a colaboração de André Luiz. Contudo, além de a colaboração ter sido realizada, não há menção ao nome do paciente na tentativa de impedir a instrução criminal. Some-se a isso a circunstância de que o colaborador André Luiz afirmou que não se sentiu ameaçado com a pergunta “se a família dele está bem”. Não há, portanto, indicação de nenhum ato concreto e atual praticado pelo paciente com o intuito de fragilizar a instrução criminal.

De fato, a prisão preventiva, enquanto mitigação da regra da presunção de inocência, exige fundamentação idônea, respaldada em motivos cautelares concretamente verificados e contemporâneos ao ato, demonstrando a inevitável necessidade de ser utilizada em detrimento de outras medidas cautelares diversas da prisão.

Conforme nos ensina o Ministro Celso de Mello, “a motivação há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta (ou que mantém) o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas ‘a posteriori’” (HC 98821/CE, Segunda Turma, julgado em 9.3.2010 – grifos nossos).

Nesse sentido, a decisão do Ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal em relação ao corréu.

Por outro lado, neste juízo cautelar, tenho afirmado que a suposta arrecadação de recurso e gastos de campanha, não informados em prestação de contas de candidato, pode não encontrar subsunção no art. 350 do Código Eleitoral. De fato, referido tipo exige dolo específico, ou seja, a deliberada intenção de falsificar o conteúdo de documento público ou particular a respeito de algum fato relevante do ponto de vista jurídico, com aptidão de produzir efeito eleitoral (cf. o REspe nº 2675-60/RS).

Como se sabe, a prestação de contas consubstancia um procedimento previsto em lei para conferir maior transparência e lisura às eleições. Importante elemento teleológico permeia esse procedimento: o de impedir ou evitar o abuso do poder econômico, de modo a assegurar a paridade entre os candidatos concorrentes e resguardar, em última análise, a liberdade do sufrágio.

Por outro lado, o candidato que arrecada recursos de campanha, provenientes seja de caixa dois, seja de propina, seja originário de algum outro crime, ou seja simplesmente de doador que prefere manter-se oculto, não os leva a registro na prestação de contas justamente para ocultar violação de regra penal anterior, para a qual tenha ou não concorrido.

Dessa forma, nessa situação específica, de eventual abuso do poder econômico durante campanha eleitoral, em que pode ser justaposto algum crime (fiscal, de lavagem de dinheiro ou de corrupção), não deve ser resolvida pela singela aplicação do art. 350 do Código Eleitoral, sem maiores indagações, como se fosse verdadeira panaceia.

Com efeito, na hipótese de omissão de recursos em procedimento de prestação de contas, a conduta normalmente está a revelar mero exaurimento de crime anterior, do qual a eventual participação do candidato deveria ser investigada havendo indícios de autoria. É dizer: referida conduta omissiva seria então um post factum impunível, ou comportamento a ser analisado sob a ótica do princípio da subsidiariedade, razão pela qual o art. 350 do Código Eleitoral funcionaria como “soldado de reserva”, ou seja, somente teria aplicação nas hipóteses de não ocorrência de um delito mais grave.

No entanto, a complexidade do tema não se coaduna com via sumária da liminar em habeas corpus, mas deve ser detidamente analisada pelo juízo competente no julgamento de mérito da ação penal, mormente quando se verifica que, no caso concreto, a própria denúncia justamente narra crimes mais graves praticados de forma antecedente.

3.                     Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar para suspender o decreto de prisão preventiva expedido contra o ora paciente nos autos da Ação Penal nº 12-81/RJ, que tramita na 98ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes/RJ.

                        Comunique-se e cumpra-se, com urgência.

                        Publique-se.
                       
                        Brasília, 20 de dezembro de 2017.



Ministro GILMAR MENDES

Presidente

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