terça-feira, 5 de novembro de 2013

REINALDO AZEVEDO & MIRIAM LEITÃO

Resposta de Reinaldo Azevedo à coluna de Miriam Leitão, de domingo, publicada aqui:

05/11/2013
às 6:47

Não peço licença nem peço desculpas! E não vou parar

Escrevi nesta segunda um post em que anunciava, em tom obviamente irônico, que iria parar de escrever e, assim, fazer um bem ao Brasil: “Vou parar de escrever para que os mansos e doces continuem mansos e doces. Não é bom que eles se tornem ferozes porque, afinal de contas, eu tenho um blog hospedado na VEJA e uma coluna na Folha. Vou parar de escrever para não mais açular a paixão sanguinolenta dos cordeiros.”
Vocês podem não acreditar, mas aconteceu: os seres trevosos começaram a comemorar. Por algum tempo, levaram a sério. Realmente acharam que eu fosse me intimidar com o espetáculo de truculência, de intolerância e de baixaria a que se entregaram os sites financiados por gestões petistas e por estatais. Mas não só eles: Miriam Leitão, que é considerada por muitos a principal colunista de economia do país, decidiu usar a sua coluna no Globo para comentar a contratação de um colunista feita por um outro jornal. Deve ser inédito na história. Tento de novo: um dos nomes mais destacados do maior grupo de comunicação do país se achou no direito de criticar uma escolha feita por um veículo de uma outra empresa.
Sem que ela tenha me pedido nada — escrevo o que quero —, apontei aqui em vários textos as muitas vezes em que Miriam foi vítima de ataques boçais, desonestos, promovidos por gente paga para caluniar, difamar, distorcer, injuriar, sem atentar para quaisquer limites do bom senso, do bom gosto, nada… Ainda que eu discordasse dela em muitos aspectos, sempre considerei o óbvio: tem o direito de escrever o que pensa. Não, senhores! Não estou fazendo muxoxos e chororôs, não! Ela não precisaria ter me devolvido na mesma moeda. Não faço trocas. Quem me conhece sabe disso. Respondendo a alguns leitores, informo: não estou minimamente arrependido do que escrevi. Repetidas as circunstâncias, eu a defenderia de novo.
O absurdo, nesse caso, é de outra natureza. Mesmo alvo dos ataques mais indecentes — a exemplo do que também já fizeram comigo, até fotografias suas foram adulteradas para lhe conferir um aspecto monstruoso —, Miriam nunca respondeu. Ela só decidiu fazê-lo agora, e se nota que os seus detratores à esquerda não são os alvos principais de sua fúria. Não! Escreveu aquele artigo com o fito de me atacar. O alvo era eu.
Ao fazê-lo, arrancou elogios dos furiosos que sempre a atacaram — e talvez isso atenda a alguma necessidade sua, que remete à ideologia, sim, mas envereda também para o terreno da psicologia. Miriam foi militante de esquerda — também fui. Tornou-se uma jornalista de sucesso. Entusiasta, por bons motivos, do Plano Real, passou a ser identificada pelo petismo, especialmente a versão petralha — sim, Miriam, petralha — como “tucana”. Dadas as muitas deformações do debate no Brasil, foi transformada numa espécie de ícone da, santo Deus!, “mídia neoliberal”, que nunca existiu. Tudo estupidez. Tudo bobagem. Tudo boçalidade.
Miriam, no entanto, não é “de direita”. A classificação deve incomodá-la. Em relação a alguns temas, dada a geografia ideológica um tanto caótica no Brasil, está à esquerda de muitos petistas. E, claro!, pesa o passado; pesa a memória afetiva; pesam as afinidades pregressas. Ao emprestar o seu peso ao linchamento de Reinado promovido pela subimprensa petista, Miriam Leitão tenta, na verdade, enviar um sinal à esgotosfera financiada. Ela, que nunca reagiu mesmo às maiores ignomínias, lançou-se contra mim com a fúria dos justos. Segundo diz, “rosno” e “ladro”.
Que coisa! Os outros, vá lá, estão, ainda que de maneira suja, ainda que financiados, “trabalhando”. Fazem o que fazem por dinheiro. Alguns dos que me atacam com mais virulência me cobriam de elogios até anteontem. Como sabem que nunca me deixei impressionar pela lisonja fácil — nem a graça de um simples cafezinho lhes dei —, também não me intimidam os ataques os mais grotescos. Mas e Miriam? Em certo sentido, o seu ataque, que é feito de graça — os outros recebem para isso —, é mais brutal. Nesse caso, o que ela não suporta mesmo é a divergência; o que ela não aceita é que possa haver um pensamento com o qual não concorda.
Disse que “rosnei” para ela. É mentira! O link está acima. Eu apenas discordei dela em uns dois ou três assuntos, especialmente Código Florestal e cotas para cor de pele (o termo “raciais” é impróprio; negro e branco não são raças) nas universidades.
Falácias
Miriam Leitão dá curso à falácia grotesca, repetida pelos áulicos a soldo, de que a imprensa estaria adernando à direita. No noticiário, desde sempre, isso é escandalosamente falso. No colunismo, façam vocês mesmos o levantamento: é mais falso ainda. Listem todos os colunistas dos grandes veículos de comunicação — os nomes estão disponíveis nas páginas eletrônicas. Consideradas todas as áreas, devem passar de duas centenas. Vejam ali quantos poderão ser chamados NÃO DE DIREITISTAS, mas, vá lá, de “liberais”. Não vou eu ficar aqui a categorizar pessoas, mas não consigo chegar a dez.
Estamos, isto sim, é diante de um espetáculo de intolerância como há muito tempo não se via. Afinal de contas, o que há de tão errado com as opiniões de Reinaldo Azevedo? Quais delas são incompatíveis com o estado democrático e de direito? Quais delas violam direitos fundamentais do homem? Quais delas agridem os fundamentos da civilidade e da civilização? Por que não fazem o elenco das minhas opiniões inaceitáveis?
Desonestos! Truculentos! Vigaristas! É o que são. Sempre que divirjo de um jornalista, de um ministro do Supremo (a exemplo de Luís Roberto Barroso, no sábado), de algum especialista, reproduzo seu texto ou fala em vermelho, sem omitir nada, e contesto em azul. Ao fazê-lo, exponho-me também. JAMAIS RECORRO AO EXPEDIENTE CANALHA DE EU MESMO SINTETIZAR, A MEU GOSTO, A FALA DO OUTRO. Não me dou essa facilidade. Fiz isso, diga-se, com o artigo de Miriam.
Não preciso esconder ou distorcer o que o outro diz ou pensa para facilitar a minha resposta. Ao me atacar sem dizer o que há de errado no meu pensamento; ao engrossar uma corrente de difamação sem contestar opiniões que eu tenha emitido; ao escolher o caminho do simples achincalhe, DONA MIRIAM LEITÃO SE IGUALA ÀQUELES QUE A DIFAMAM. Então por que eu? Por que comigo? De algum modo, devo ser aquele que a devolve a seu nicho ideológico original, do qual emocionalmente ela ainda não se distanciou.
Já respondi, sim, de maneira inadequada a ataques covardes de que fui vítima. Com o tempo, aprendi que muitos de seus autores buscam notoriedade; querem é pegar uma casquinha na polêmica. Citar meu nome, como é sabido, rende visitas. Agora mesmo, há uma legião de autores de si mesmos, de blogueiros sem leitores, de gente que não deve ser lida nem pelos respectivos cônjuges fazendo o diabo para ter seu nome mencionado aqui. Já cheguei a cair nessa cilada. Não caio mais.
Muitos assistem ao linchamento em silêncio. Outros se divertem: “Vamos ver se esse cara aprende…”. Não aprendo, não! Já lhes falei a respeito aqui. Cabe mencionar mais uma vez.
Há um textinho famoso sobre o nazismo, que merece ser lembrado. Nove entre dez citadores o atribuem a autor indevido: Maiakovski, Bertolt Brecht ou o brasileiro Eduardo Alves da Costa (que escreveu, com efeito, coisa bem parecida):
“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”
Seu autor é o teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984). Ele teve uma trajetória curiosa. Chegou a flertar com o nazismo nos primeiros tempos. Quando, vamos dizer, já havia ficado claro quem era Hitler e o que queria, ainda ambicionou incutir-lhe um tanto de sensatez. Até que percebeu do que se tratava e migrou para a oposição aberta. Foi processado em 1938 e enviado para o campo de concentração de Dachau, onde permaneceu até o fim da guerra. Correto estava o Niemöller do texto acima, não o que sonhou com as mãos estendidas para o ditador facinoroso.
Encerro
Não vou parar, não! Vou continuar a escrever o que penso aqui e na Folha enquanto estiver aqui e na Folha. Se um dia não estiver mais, será onde der: na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé… Eu entrei numa organização clandestina com 15 anos. Era contra o governo. E nunca mais me tornei governista — e isso inclui os oito anos de FHC.
Noto que sou alvo da fúria sanguinolenta dos que, ao contrário de mim, sempre são governo — alguns deles (nesse particular, não é o caso de Miriam) são governistas desde a ditadura militar.
Não me intimida o silêncio dos covardes.
Não me intimida a gritaria dos covardes.
Não peço licença, não peço desculpas e não paro.
Por Reinaldo Azevedo

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