Artigo publicado no Blog Opiniões em 14/02/2018 (aqui) e na edição impressa da Folha da Manhã de 15/02/2018 (página 3):
Sobre o afastamento do prefeito Rafael Diniz, falta mais credibilidade a quem lidera o movimento do que motivos para a mobilização |
Irresignado com o ostracismo imposto após sua estadia preventiva nas cadeias de Benfica e Bangu, o ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) ocupa a mente baldia entre devaneios e conspirações. Alguém em seu juízo perfeito e réu em diversas ações judiciais usaria o tempo disponível para cuidar da própria defesa. Registre-se: Garotinho teve prisão preventiva decretada tanto na “Operação Chequinho” (que apura compra de votos em troca de cheque cidadão nas eleições de 2016) quanto na “Caixa D’água” (esquema ilícito de arrecadação de fundos para campanhas eleitorais). Em ambas foi solto por decisão do ministro Gilmar Mendes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas os processos prosseguem…
Com tanto a explicar na Justiça, sem programa de rádio, enxotado do próprio partido do qual era presidente estadual e, portanto, sem legenda para tentar uma eventual eleição em outubro, Garotinho tem se valido de entrevistas em rádios comunitárias e transmissões ao vivo pelo Facebook para destilar sandices contra adversários, como se fosse o mais puro dos mortais. Agora aventa um mirabolante movimento pelo impeachment do prefeito Rafael Diniz (PPS). Talvez ainda afetado pela estadia em celas inóspitas, tem cometido erros que não se perdoa em um político com sua experiência (no bom e mau sentido): pede votos para imaginária campanha de governador e ainda para os candidatos a deputado estadual que o apoiariam. Disse, literalmente: “faça o seguinte: não vote só em mim. Vote num deputado que está no meu lado. Porque olha só, o cara vai votar em mim e vai votar num deputado estadual contrário, sabe o que vai acontecer? Depois eu vou ter que gastar dinheiro para comprar esse deputado…” A entrevista rendeu duas investigações pela Procuradoria Eleitoral, uma por campanha antecipada e outra pela desastrada declaração.
Se isso não bastasse o ex-governador deu para aparecer no Facebook com uma pasta preta que guardaria, segundo ele, documentos que comprovariam atos de corrupção na atual administração da Prefeitura de Campos, liderada pelo prefeito Rafael Diniz que, em outubro de 2016, ganhou a eleição, no primeiro turno. O roteiro é detalhado. Primeiro as “denúncias” seriam levadas à Câmara Municipal — a petição já estaria até pronta — garante Garotinho; no mesmo dia as denúncias seriam protocoladas no Ministério Público Estadual e Federal, porque os “desvios” envolveriam verbas tanto do Estado quanto da União. Enquanto isso, segundo os planos, um abaixo-assinado pedindo o impeachment do prefeito seria passado nos bairros e distritos para culminar simbolicamente no dia 8 de março com um “grande ato na praça São Salvador” e a “documentação” da pasta preta finalmente seria revelada. O vídeo está disponível na internet.
É certo que a gestão conservadora do prefeito Rafael Diniz e a escassez de recursos nos cofres municipais abrem espaço para a manifestação garotista, que é típica da democracia e bem-vinda seja qualquer iniciativa que torne a administração pública mais transparente. Falta, no entanto, mais credibilidade a quem lidera o movimento do que motivos para a mobilização.
Prefeito eleito duas vezes e por mais dois mandatos de prefeito de fato, Garotinho sabe melhor do que ninguém como funciona a máquina da Prefeitura. Portanto, se houver algum desvio na atual administração ele deve conhecer o caminho e é lícito e justo que denuncie e que sejam apuradas as denúncias e punidos os culpados. Mas, por mais esforço que se faça para ver boa intenção por trás dessa iniciativa aparentemente cívica, a movimentação da combalida e desacreditada máquina garotista não passa de uma tentativa de sobrevivência política e alguma esperança de acordar a minguada militância para uma natimorta campanha eleitoral. Mobilizar insatisfeitos com o aumento na taxa de iluminação pública e de coleta de lixo, apesar de pesar no bolso, convenhamos, é pouco, muito pouco para indignar a população ao ponto de exigir o afastamento do prefeito eleito por 155 mil eleitores (55% dos votos válidos) e convocação de nova eleição. Depois de marcar e remarcar nova eleição para a prefeitura em 2017, desta vez, o ex-governador anunciou eleição suplementar municipal para dia 07 de outubro, coincidente com as eleições da presidente, governador e para o Congresso Nacional.
Enquanto aguarda as eleições nas quais o próprio ainda não tem nem partido pelo qual concorrer, Garotinho ainda tem de administrar o que restou de seu projeto de poder, muito bem definido pelo ex-aliado fiel, o deputado estadual Geraldo Pudim (MDB) numa entrevista para a Folha da Manhã no domingo dia 04 (aqui): “o pai, a mãe e os dois filhos”. Ora, se os dois filhos são candidatos à Câmara Federal (Wladimir com votos do interior e Clarissa com a Capital e Grande Rio), restaria ao chefe do clã só o Governo do Estado ou o Senado. Ou vai sacrificar os rebentos e impor-se como candidato a deputado federal numa eleição mais fácil, praticamente certa e que lhe garanta um palanque e holofotes por quatro anos? Em qualquer cenário as perspectivas não lhe são favoráveis: só lhe restaria algum partido nanico, com pouco tempo de rádio e TV; não tem máquina administrativa para extrair apoio financeiro e ainda padece de crise de credibilidade com os sucessivos processos judiciais e prisões e que estão longe, muito longe de acabar.
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