Do Blog Opiniões (aqui) e edição impressa da Folha da Manhã de hoje (Folha 2):
Presidente da AIC analisa a cultura da “Era dos Royalties”
Por Aluysio, em 06-10-2013 - 14h03
Jornalista, escritor e presidente da Associação de Imprensa
Campista (AIC), Vitor Menezes acredita que a política pública de cultura
do governo Rosinha Matheus é a mesma das gestões Arnaldo Vianna e
Alexandre Mocaiber, no que denominou como “Era dos Royalties”. Embora
concorde com as críticas mais fortes feitas pelo colega Ricardo André
Vasconcelos, em outra entrevista na Folha Dois com foco cultural, e
tenha considerado “infelizes” algumas declarações da presidente da
Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), Patrícia Cordeiro,
numa entrevista recente em outro jornal, Vitor não considera o
comportamento dos gestores públicos locais uma exceção. No entanto,
criticou esse comportamento, cobrou promessas e propôs mudanças, entre
elas a descentralização administrativa da cultura goitacá. Para ele, o
maior crime cultural cometido nos últimos anos em Campos, “empreendido
no âmbito dos interesses privados”, foi o “assassinato do jornal Monitor
Campista”, no qual era articulista aos domingos.

(Foto de Rodrigo Silveira/Folha da Manhã)
Folha Dois – Qual sua opinião sobre a cultura de Campos e as discussões que sobre ela têm se dado?
Vitor Menezes - Tenho acompanhado à distância, mas
considero muito produtivo que este debate se dê. Campos por vezes se
assemelha a um deserto, uma província conservadora com cada um cuidando
dos seus mexericos e interesses menores, satisfeitos com as suas fotos
nas colunas sociais, e então vez por outra algo significativo se move na
paisagem. E aí a gente se anima de novo. Parece até que este é o
sentido de ficar por aqui: estar a postos para quando se dá alguma
oportunidade de oxigenação. No entanto, há um dado desalentador quando
se percebe que uma discussão tão séria e necessária como esta sempre se
torna vítima da polaridade crônica que as prefeituras de cidades médias e
pequenas exercem no cenário local, com a consequente partidarização e
“fulanização” dos temas. Como presidente da AIC, creio que seja minha
obrigação lembrar, por exemplo, que o maior crime contra a cultura de
Campos cometida nos últimos anos foi o assassinato do jornal Monitor
Campista, empreendida no âmbito dos interesses privados, como ocorreu
com o antigo Trianon, e sob inexplicável omissão do poder público. Não
houve situação, oposição ou qualquer outra força social que percebesse a
gravidade do que estava ocorrendo. Permitimos que uma publicação de
quase duzentos anos se perdesse. Uma cidade assim vai demorar a poder
falar seriamente sobre cultura.
Folha – Em comentário nas redes sociais, você afirmou assinar
embaixo de tudo do que disse o também jornalista Ricardo André
Vasconcelos, na entrevista dele (aqui) sobre a cultural local. Tudo não é muita coisa?
Vitor - Embora, claro, eu tenha lido a entrevista,
em se tratando de Ricardo André a gente poderia concordar até sem ler.
Ele é um dos mais íntegros jornalistas que conheço e seu espírito
público é o que falta em muitos políticos. Creio até que seria um bom
vereador, se ainda houvesse ambiente político na cidade para eleger
gente como ele. Uma das maiores satisfações profissionais que tenho foi
ter dividido com ele a, digamos, bancada do programa “Mercearia
Campista”, que fazíamos na Mult TV.
Folha – O lead daquela entrevista foi definido numa
declaração forte do Ricardo: “Cultura no governo Rosinha, só o da
gastança”. Ainda que, diferente dele, você não se mostre, enquanto
blogueiro, afeito à conferência das despesas municipais publicadas em
Diário Oficial, o que pensa sobre essa sentença?
Vitor - De fato não tenho a paciência que o Ricardo
tem para os números municipais, o que é apenas uma das minhas muitas
falhas profissionais. Mas não é difícil concordar e fazer apenas um
adendo: essa também foi a cultura de todos os governos que antecederam
ao atual, se tomarmos o período da Era dos Royalties do Petróleo. Ou
alguém pode se esquecer do que foi o governo Arnaldo, ou o governo
Mocaiber? Mais uma vez, reduzir a questão ao simulado duelo entre
oposição e situação em Campos é improdutivo sob o ponto de vista
analítico. Padecemos há décadas de um ambiente transparente.
Folha – Outra denúncia forte do Ricardo foi afirmar que a
política de shows da Prefeitura é pensada e executada no sentido de se
levar pessoas às ruas para criar um clima permanente de campanha. Vê da
mesma maneira?
Vitor - É engraçado como o óbvio em Campos às vezes
soa como “denúncia forte”. O Ricardo só falou o que todos sabemos. Só
que, infelizmente, torna-se mais uma vez necessário o adendo de que essa
não é uma exclusividade de Campos e nem mesmo do atual governo, o que
de forma alguma abona a cidade e a sua gestão do momento, mas abre a
perspectiva para pensarmos porque as coisas funcionam deste modo e o que
temos feito ou deixado de fazer para reagirmos.
Folha – Ricardo também afirmou ser necessário “despatricizar”
a discussão da cultura goitacá. Em sua visão, qual o limite entre a
política cultural do governo Rosinha e seu cumprimento por quem foi
tornado único poder central da cultura municipal, a partir da última
reforma administrativa?
Vitor - Se há tanta insistência em focar a análise
no governo Rosinha, o que é até compreensível em virtude dele ser o que
está em curso, prefiro então outra ferramenta: a análise do Plano de
Governo apresentado pela então candidata ainda para o seu primeiro
mandato. Há, nele, 20 itens na área da Cultura. Sugiro à Folha, como
pauta, verificar o que dali foi feito, o que não foi feito e o que foi
feito parcialmente. Há, de fato, itens onde houve avanço, como a
“reestruturação do Carnaval” e a conclusão do restauro do Museu de
Campos, ainda que se possa fazer críticas a aspectos que envolvam a
ambos. Mas há outros que não, como a “reedição de obras antológicas” de
Lamego e outros autores, ou o aproveitamento das antigas estações
ferroviárias. E há ainda os que poderiam ficar na categoria do
“parcialmente”, como a Bienal do Livro, que tem o mérito de continuar a
ser realizada, o que em si mesmo é uma conquista, dado o histórico de
rupturas de projetos entre governos, mas que ainda precisa melhorar para
atingir níveis propostos pelo próprio plano de governo apresentado.
Folha – Fica mais difícil atender essa “despatricização” quando a presidente da FCJOL concede uma entrevista em outro jornal (aqui),
em resposta clara a esta série de entrevistas da Folha Dois, e já abre
dizendo: “Eu não estou aqui para me defender, não preciso disso e nem o
governo”?
Vitor - É uma frase lamentável. Infeliz mesmo.
Talvez ela mesma repense isso em algum outro momento. Mas o fato é que a
cultura política que temos é essa: o gestor público brasileiro, de modo
geral, se considera em condição de mando, não na condição de subalterno
dos interesses maiores da cidadania. Então cunha expressões como essas,
como se não precisasse prestar contas, demonstrando um fastio em
relação às cobranças e sempre utilizando a estratégia de tentar
desqualificar quem o questiona. E em Campos, terra onde a herança
escravocrata se faz tão presente, não haveremos de nos surpreender com
arroubos autoritários, tanto no poder público quanto nas empresas, nos
condomínios, nas relações domésticas.
Folha – Numa outra entrevista da presidente da FCJOL, dada anteriormente a um site local (aqui),
ela havia afirmado que “todas as vertentes da cultura têm sido
atendidas”, ao que outro entrevistado da Folha Dois, o diretor de teatro
Antonio Roberto Kapi, respondeu com veemência (aqui): “É mentira!”. Como saber quem está mais próximo à verdade?
Vitor - O problema é o conceito de “atendida”, que é
parente próximo do conceito de “clientela”. O governante, até por
razões eleitorais, pode ser tentado a acreditar que seu papel é
“atender” às demandas que lhe são apresentadas, sofregamente, de mo-do a
deixar o máximo de setores contemplados, sem que se tenha uma noção de
conjunto e um planejamento democrático e plural, que é fruto do debate
republicano, não dos pedidos de gabinete. Por isso, uma das propostas
que a Associação de Imprensa Campista fez na audiência da Lei Orgânica
do Município foi justamente a dos editais da Cultura, para tornar
impessoais essas relações e não tratarmos mais de “atendimentos”. Agora
mesmo, na ausência de uma política de editais, a própria AIC e a
Academia Campista de Letras se vêem na condição de proponentes de um
projeto, feito à Secretaria de Desenvolvimento e Turismo, de criação do
que estamos chamando de “FDP!”, Festival Doces Palavras, uma feira nos
anos ímpares que misture a cultura do doce com a produção literária, em
um local aberto e de modo mais informal que uma Bienal, que seria
mantida nos anos pares. Não gostaríamos que uma sugestão como esta, que é
para toda a cidade e para as futuras gerações, fosse reduzida ao
“atendimento” de uma clientela. Tenho muita esperança que esta ideia dê
certo e que sobreviva a qualquer falso debate entre oposição e situação,
como de forma positiva ocorreu com a Bienal.
Folha – Um ponto unânime não só entre Ricardo e Kapi, mas também para os professores Artur Gomes (aqui), Adriano Moura (aqui), Deneval de Azevedo Filho (aqui), Arthur Soffiati (aqui), Cristina Lima (aqui) e Cristiano Pluhar (aqui), além do diretor teatral José Sisneiro (aqui),
é a crítica à centralização administrativa de toda a política cultural
de Campos na presidência da FCJOL. Para você, essa concentração de poder
merece ser revista?
Vitor - Sim, precisa ser revista. Pelos evidentes
perigos anti-democráticos que qualquer centralização oferece. Mais que
isso: não foi devidamente explicado o esvaziamento das funções da
natimorta secretaria de Cultura, que manteve o professor Orávio de
Campos, uma referência a quem respeito e a quem a cidade deve muito,
extremamente limitado em suas possibilidades de ação, até a extinção
relâmpago da pasta.
Folha – Como encarou não só a negação, pelo rolo compressor
governista, do pedido de audiência pública para debater a cultura de
Campos (aqui),
como a retirada da assinatura do seu pedido, na última hora, pela
vereadora da situação Auxiliadora Freitas (PHS), em sequência ao
esvaziamento da sessão do dia anterior, comandado (aqui) pela vereadora Linda Mara (PRTB), personagem também atuante nos corredores do Palácio da Cultura?
Vitor - Compreensível sob o ponto de vista do jogo
menor da política, como estratégia para não legitimar um movimento feito
pelo oponente, ao assumir uma agenda ditada por ele. Acontece todo dia,
em todas as esferas de poder. E lamentável sob o ponto de vista da
oportunidade que se perde para que se faça um debate democrático, no
caso, sobre a cultura local. Foi mais um sintoma da má apropriação da
questão pela armadilha da disputa entre oposição e situação.
Folha – Como a presidente da FCJOL propôs, em sua última
entrevista, dá para resumir toda a discussão sobre a cultura com a
exibição de um vídeo na Câmara, mas só “quando ficar pronto”, com as
realizações do governo Rosinha no setor?
Vitor - Isso não seria debate. Seria propaganda. Não
creio que a presidente da Fundação Cultural tenha realmente pretendido
dizer isso. Deve ter se expressado mal.
Folha – Como a experiência do Cine Jornalismo da Aic, na
exibição e debate de filmes com temas pertinentes à categoria, ao longo
dos últimos cinco anos, tem contribuído com a atividade cultural da
cidade? Acredita que essa experiência, como a de outros cineclubes,
poderia servir de exemplo para as políticas públicas de cultura do
município?
Vitor - O Cine Jornalismo AIC é muito específico e
contribui pouco, mas é algo que fazemos com nossas parcas
possibilidades, em cumprimento da nossa vocação institucional de
promover o debate permanente sobre o papel do jornalismo e da
comunicação. Tem sido um espaço mensal muito rico em discussões sobre a
nossa realidade, inclusive cultural. Mas esperamos que nossa
contribuição maior, junto com a Academia Campista de Letras, outras
instituições e o próprio poder público, venha mesmo a ser o Festival
Doces Palavras. Esta é uma grande aposta nossa. Sua pergunta também me
dá oportunidade para ponderar sobre o que podem fazer outros agentes na
área da cultura, para não ficarmos apenas nesta eterna lamentação sobre
as ausências da Prefeitura. Na área do audiovisual, que você cita, por
exemplo, a nossa realização é baixíssima, mesmo com instituições como a
Uenf, que nos deve até hoje uma Escola de Cinema, e a UFF, que tem um
curso de Cinema em Niterói. Na área privada, o que fazem os bancos no
município além de nos cobrarem tarifas? Onde está a Caixa Cultural? Por
que não temos um Centro Cultural Banco do Brasil? Ou um Itaú Cultural? E
as empresas de telefonia? Quando houve aqui uma mostra do OI Futuro?
Uma exceção recente ocorreu com a Ampla, ainda assim com o seu evento
episódico, e não com uma política de investimento local permanente na
área. Pegue qualquer política cultural pública bem sucedida e verá que
ela se deu em uma ambiência privada favorável. Ainda estamos por fazer
isso aqui.
Folha – Pergunta de Soffiati agregada (aqui) à pauta geral: se você fosse convidado a organizar o setor cultural de Campos, quais seriam as suas ações?
Vitor - Gostaria mesmo é de um dia ver um Soffiati
organizando o setor cultural de Campos. Mas para não fugir da pergunta,
creio que experimentaria uma democracia radical. Todo fim de tarde o
Palácio da Cultura seria uma audiência pública. A Câmara de Vereadores
nem precisaria convocar uma. Tenho maior vocação assembleística, herança
dos meus tempos de movimento estudantil. Ia gostar mais de estar com os
Cabruncos Livres no Jardim São Benedito discutindo os rumos da cultura
do que engravatado buscando recursos em Brasília, até mesmo porque
buscaria recursos com projetos consistentes e em relações
institucionais. Falando um pouco mais sério, há também um certo cacoete
autoritário na noção de que cultura se “organiza”. Há, no máximo, a
criação de uma plataforma de ações que estimulam a criação, a
pluralidade, a preservação da memória, a inclusão, o espírito artístico,
a produção, a livre manifestação. E isso deve perpassar todas as áreas
de um governo, porque cultura é algo grande demais para caber em uma
pasta de cultura. Se o burocrata da área de finanças não entender a
importância que a cultura tem para uma cidade, não vai funcionar, e
assim também com outras secretarias. Cabe então ao governante ter essa
sensibilidade maior, de tocar o governo neste sentido. Um belo exemplo é
Berlim, que está desbancando Paris e Londres como nova referência
cultural da Europa, justamente porque uma geração identificou que a
cultura os redimiria e entendeu o valor de cada músico de esquina, de
cada bar, de cada figuraça, de cada alma criativa, e adotou como slogan a
admissão de ser uma cidade pobre, mas sexy, o que anda tão distante de
Campos, uma cidade careta com sucessivos governos caretas.
Folha – Tendo como tema o atual cenário da cultura goitacá, se tivesse que traduzi-lo num conto, como seriam o início e o final?
Vitor - Seria difícil escapar do realismo mágico,
especialmente na terra de José Cândido. Para caber numa resposta,
prefiro então arriscar um mini-conto:
Escolha inevitável
Caminhando sobre o dique do rio Paraíba,
braços abertos na aerodinâmica do vento nordeste, ele oscilava entre se
atirar na água, e ganhar o Atlântico, ou se jogar no asfalto da XV de
Novembro, e morrer atropelado por uma van Centro-Nova Brasília sob a
Ponte Rosinha. Tomou a sua decisão quando passou pelo Teatro de Bolso. E
você, que estava lá, sabe qual foi.