Paulo Whitacher - Reuters. dez/2002
Das ruínas do socialismo
sobrou o sorriso do mais carismático de seus líderes e, sem dúvidas, uma das
personalidades mais amadas e odiadas da segunda metade do século XX. Fidel
Alejandro Castro Ruz morreu na madrugada deste sábado, aos 90 anos, sem sua Cuba.
A geração que começou a
tentar entender alguma coisa no final dos anos 70 e início dos 80, foi
apresentada ao “comandante” pelo jornalista e escritor Fernando Moraes, com o
seu livro “A Ilha”. Apesar de apontar avanços e problemas na pequena ilha do
Caribe, que àquela época contava com menos de três décadas de governo
revolucionário, aquele quadro de analfabetismo zero e acesso de todos à saúde,
encantou os jovens que ainda sonhavam transformar o mundo numa sociedade
só de iguais.
Mais que isso, a mim particularmente
encantava como uma pequena ilha distante 165 km de (Key West,em Miami,
Flórida), enfrentava — com êxito — a maior potência militar do Planeta. A
proximidade é tanta, que os cubanos dizem, talvez com uma dose de exagero, que
do Malecon (dique que protege o centro da capital da Baía dos Porcos), é
possível avistar as luzes de Miami em noites de lua nova.
Exagero ou não, Cuba esteve
na mira e nos calcanhares dos norte-americanos desde que Fidel e seus
companheiros desceram a Sierra Maestra para derrubar o ditador Fulgencio
Batista; depois de virem do México a bordo do legendário “Il Granma”, pequeno
barco que virou monumento público numa praça de Havana. Inúmeras foram as
tentativas eliminar Fidel, ou tomar mesmo o país, como tentou o não menos legendário
(talvez injustificadamente) Kennedy, com a frustrada tentativa de invasão da
Baía dos Porcos, em torno da qual se situa Havana.
Meses depois, Cuba foi o
centro do mundo e o estopim de uma quase-guerra total, quando o líder soviético
Nikita Kruschev mandou instalar mísseis no interior da ilha e apontados
diretamente para os EUA. A crise ficou conhecida como “os treze dias que
abalaram o mundo” e contornada pela diplomacia K&K (Kennedy-Kruschev).
Na verdade, no ápice da
Guerra Fria, Cuba era a ponta de lança dos soviéticos, que trocavam petróleo
pelo açúcar e mantinha uma economia artificial financiando um meio-socialismo
que alguns críticos apontam como marketing de um sistema que já se mostrava
impossível.
Em 1991 estive em Cuba em
visita oficial acompanhando o então prefeito Anthony Garotinho, de quem era
secretário de Comunicação. Cheguei ao aeroporto José Marti (um pouco maior que
o nosso Bartholomeu Lysandro) com sonhos e ilusões numa pequena mala.De fato, durante uma semana,
vi boas escolas e avanços na área de saúde preventiva e pesquisas científicas,
mas também algumas decepções: vigilância exacerbada, mendicância no coração da
Havana Velha, serviços públicos (todos os serviços na época eram públicos)
muito deficientes e o pior: o comandante estava inacessível em uma de suas
muitas casas onde se escondia quando estava sujeito a atentados reais ou
fictícios. Naquela semana de 1991, quatro opositores do regime tinham sido
fuzilados no paredão.
Sim, Cuba, a romântica ilha
que ainda guarda no Restaurante Floridita a mesa onde Ernest Hemingway tomava
seus daiquiris, a Cuba livre de nossos sonhos e da ternura que não se perderia
jamais, era sim, uma ditadura com seus esqueletos, como qualquer outra.
Ausente do poder há quase uma
década por causa de doença e com o poder repassado ao irmão Raul, Fidel já
tinha virado lenda em vida e caberá a história julgar seu legado.
(Ricardo André Vasconcelos)
Atualização: para correção de digitação às 21h50