A reação de Garotinho à derrota que sofreu nas urnas deixou de ser
patética, passou por ridícula e já beira a insanidade. A um político com tantas vitórias eleitorais
no currículo não fica bem resistir tanto a uma derrota de percurso, sob pena de
a auto-humilhação hipertrofiar ainda mais a sova histórica. Ainda não
entendeu que ao político é dado morrer várias vezes?
O desespero talvez resida no espelho:
Garotinho está vendo um jovem idealista como ele era em 1988 chegar ao poder derrubando
uma oligarquia carcomida, capitaneada por usineiros, e se que revezava no poder via
intermediários; a que caiu no último
dois de outubro era um arremedo de monarquia que sequestrou uma cidade inteira
para condená-la a ser governada por uma família, uma grife política. Nenhuma
das duas deixa saudade.
Há diferenças históricas. O Garotinho,
então com 28 anos, derrotou o avô do prefeito recém-eleito, vicejou num país recém
redemocratizado,com uma nova Constituição que,
além de cidadã, mudou as formas de repassar recursos, beneficiando, e muito, os
municípios. Somado a isso, era o início da era das vacas gordas com a chegada
dos royalties do petróleo. Um cenário em
que tudo que se fizesse no novo governo ganhava ares de revolucionário: creches
(só existiam duas); reabertura do Pronto Socorro; programação de verão na
praia, antes restrita a um campeonato de futebol de areia, além de fomentar sonhos
— especialidade de Garotinho — como a construção do novo Trianon, que
mobilizou, por anos, a cidade toda.
Rafael Paes Barbosa Diniz Nogueira,33 anos, vai
assumir uma cidade diferente e com desafios maiores. Os usineiros faliram e Campos
não só tem poucos recursos, é uma cidade falida. A arrecadação dos
royalties foi comprometida pelos próximos 30 anos por conta de empréstimos que
o atual governo fez e com um cenário de compromissos (custeio da máquina
administrativa e demanda por serviços) incompatível com a capacidade financeira
dos cofres municipais. O orçamento municipal que chegou a R$ 2,7 bilhões em
2014, tem previsão de apenas R$ 1,5 bilhão no próximo ano. E o cenário
nacional, ao contrário de três décadas atrás, é de estagnação com viés de
recessão para os próximos anos. Revolucionário agora será tirar leite das
pedras que restaram.
Pelo que se viu, a cidade tem muito mais
com o que se preocupar do que com o chororô de Garotinho na rádio que apoia seu
grupo político. Suspeitar do resultado da eleição e chamar o novo prefeito de “interinamente
eleito” é absoluta falta de senso: Rafael teve 151.462 votos (55.19%) contra 81.989 (29.88%) recebidos pelo primo de
Garotinho, Chicão Oliveira, que há oito anos é o vice-prefeito da mulher de
Garotinho. E pelos planos familiares, Chicão deveria ser eleito para guardar a
cadeira para o filho de Garotinho em 2020. A menos que seja uma tática diversionista
para preparar terreno para o que vem pela frente, esse chororô merece tanta
atenção quanto àquela greve de fome de araque.
O que pode, e deve, assustar, é até onde
vão chegar as investigações da Justiça Eleitoral, Ministério Público Eleitoral
e Polícia Federal sobre a utilização do programa cheque-cidadão municipal nas
eleições. Vereadores reeleitos pela coligação que apoia o atual governo fora, presos
e já estão sendo julgados; testemunhas teriam citado o nome de Garotinho em
seus depoimentos na PF e a expectativa é que o próprio seja chamado a depor nos
próximos dias. O depoimento de Garotinho na PF é iminente e natural, afinal, é
ele quem governa, de fato, a Prefeitura de Campos. Além disso, o ex-governador
repetiu neste sábado, dia 12, que há uma conspiração entre o Ministério Público
e a Polícia Federal para prendê-lo a fim de tirá-lo de circulação e o objetivo
seria esconder a fraude eleitoral que teria resultado na derrota de seu
primo-pupilo-candidato. O delírio é tanto que chegou ao absurdo de anunciar eleições
em Campos e marcá-las para fevereiro de 2017. É urgente que mostre às autoridades as provas que jura ter para que a insegurança jurídica não se instale.
Em sua cantilena entediante, o inconformismo de Garotinho
não reverbera nem entre seus seguidores mais cegos, tal a fragilidade dos
argumentos e fantasia dos “fatos”. Deve ser porque a insanidade é que o levou
ao espetáculo ridículo e o chororô patético.
Faz como Obama, Garotinho, aceita
que dói menos.
(Ricardo André Vasconcelos)