domingo, 12 de novembro de 2017

DO CHINELINHO AO XILINDRÓ

Publicado no Blog Opiniões em 08/11/207 (aqui):

Luislinda Volois, ministra dos Direitos Humanos

Só mesmo um governo que tem índice de aprovação do mesmo nível de margem de erro pode ignorar deslizes, desvios e outras traquinagens de seus ministros sem sequer uma leve admoestação de quem quer que seja. Simplesmente porque não há quem tenha autoridade moral para tal. O exemplo começa com o Chefe do Governo, que comprou o restinho de mandato por algo em torno de R$ 20 bilhões em emendas, cargos e outras benesses inconfessáveis e tornou-se refém de uma base aliada que representa a mais fina flor do fisiologismo pluripartidário. Alguém já disse, com propriedade, que não é o presidente que tem uma base, é a base que é “dona” de um presidente. Denunciado pela Procuradoria Geral da República, duas vezes, por corrupção passiva e organização criminosa, o presidente da República conseguiu a proeza de arquivar as denúncias com o apoio de 263 e 251 votos, respectivamente.
O presidente com o maior índice de rejeição entre os líderes mundiais tem mais da metade do ministério investigado, citado ou delatado na Operação lava Jato, incluindo seus mais íntimos — Moreira Franco e Eliseu Padilha — parceiros na quadrilha da denúncia da PGR e momentaneamente arquivada pelos deputados. A partir de 01 de janeiro de 2019 os três serão processados como cidadãos, se estiverem ao desabrigo da sombra benfazeja do foro privilegiado. Outros dois — Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha — já amargam cadeia. Geddel, aliás, foi ministro também no governo Lula e vice-presidente da Caixa na administração Dilma, mas com Temer, integrou o núcleo central do governo.
No último final de semana um escândalo internacional chamado de “paradise papers” envolveu os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Blairo Maggi (Agricultura) com fortunas depositadas em paraísos fiscais.
Só num ministério com essa folha corrida, figuras como Torquato Jardim e Luslinda Valois protagonizariam situações graves sem sequer serem investigados, enquanto deveriam gerar crises e até demissões. A declaração de Torquato, de que há uma sociedade entre deputados estaduais, comandos da PM e o crime organizado no Rio de Janeiro seria plenamente aceitável se não fosse a autoridade máxima da segurança, pois é o ministro da Justiça e Segurança Pública. Se tem provas do que disse deve mostrá-las à sociedade, se não tem, entregue o cargo. O que não pode é dizer que emitiu uma “opinião pessoal”, porque afinal não disse o que disse em conversa privada e sim para um grupo de jornalistas que o entrevistava.
Dona Luslinda, desembargadora aposentada pelo Tribunal de Justiça da Bahia, com seu currículo que honra a história das mulheres, dos negros e da magistratura, caiu na asneira de pedir aumento de salário. Queria receber, além dos R$ 33,4 mil de seus proventos da aposentadoria, outros R$ 37 como ministra de Estado dos Direitos Humanos. Se justo for o pleito, o argumento beirou ao patético: quem ganha R$ 33,4 mil por mês se considerar escrava? Alegou que o salário não é suficiente para maquiagem, perfume, porque, afinal, como aposentada pode andar de chinelo, mas como ministra não.
A favor de si Dona Luslinda, um dos quatro nomes do PSDB no governo, tem a opção de calçar seu chinelinho e voltar para Salvador e gozar a merecida aposentadoria, enquanto para a maioria dos seus colegas — incluindo o chefe —, o risco é ir para o xilindró.

AFINAL,QUE MUNDO QUEREMOS?

Publicado no Blog Opiniões (aqui) em 25/10/2017 e na edição impressa da Folha da Manhã de 29/30 de outubro de 2017

Daqui a pouco o mundo onde nasceram as ideologias não existirá mais

É inevitável. Vem à boca um indisfarçável gosto de fracasso quando exposto à dicotomia ideológica sempre que instado a dar uma opinião ou ler/ouvir opinião alheia. Quase quatro décadas atrás, quando fui apresentado aos conceitos de ideologia política não tive dúvidas de que minha prática diária e meus sonhos se alinhavam com os ideais da Esquerda. Comida, escola, saúde, transporte, cultura e lazer para todos era o que já defendíamos quando o país era governado por uma ditadura civil-militar, seguindo o ideário de Direita, como em praticamente todo o Sul do Continente.
Assim como minha geração teve nos generais ditadores seu objeto de contestação materializada na censura, tortura, medo, e falta de liberdade, entendo o encantamento da geração atual com o ideário de Direita, porque o constestável que conheceram foi o governo do PT.  Apesar dos avanços na área social, o que restou do petismo foi a corrupção endêmica que parece ter causado nos jovens de hoje impacto tão devastador quanto à falta de liberdade no regime militar. Não que a corrupção seja uma invenção petista e que não existia na ditadura. Naquela época, as instituições estavam sob botas. Enquanto no contra a ditadura havia ímpeto para derrubá-la, o desencanto com a política leva, depois da apatia, a um caminho desconhecido.
Não comungo da simplificação típica dos tempos de facebuquização, mesmo porque Direita e Esquerda se subdividem em inúmeros matizes, nem todos justificáveis. A chamada Direita Liberal, que chega ao poder através do voto para desenvolver um governo baseado na livre iniciativa e consequente redução do Estado ao mínimo é tão respeitável quanto a Esquerda Democrática que implanta seu governo legitimado pelo voto, reservando ao Estado papel preponderante para promover o desenvolvimento social. A versão preocupante é a Direita xenófoba e ultranacionalista, representada no passado por gente como Hitler e agora por Donald Trump. Da mesma forma o é a Esquerda antidemocrática de Chávez-Maduro-Morales de hoje e de Stalin-Mao no século passado.
Beirando ao fim da segunda década do terceiro milênio, custa acreditar que a concentração de renda no Brasil ainda é uma das maiores do mundo: 27% de toda a renda nacional estão nas mãos de 1% da população mais rica. Nos Estados Unidos, 1% dos mais ricos tem 19,3% da renda do país. Alguma coisa continua fora da ordem. E não foi sem motivo que, o último dia 19, ninguém menos que George Bush, o filho — presidente dos Estados Unidos de 2001 a 2009 — veio a público proclamar que a democracia mundial corre risco. “A confiança nas instituições diminuiu. O sonho de subir na vida parece inalcançável para quem ficou para trás em uma economia que está mudando. A insatisfação aumentou e aprofundou os conflitos entre quem pensa de forma diferente. Existem sinais de que o apoio à própria democracia diminuiu, principalmente entre os jovens. Parece uma combinação de cansaço, desgaste e memória curta”, disse Bush, dando-nos no que pensar.
De volta ao Brasil, o gosto de fracasso que insiste na boca não é apenas pelo operário que virou presidente, gostou e tentou virar patrão, até mesmo porque vou continuar professando minha fé na educação e saúde públicas; contra a exploração do homem pelo homem e pela criação de oportunidades iguais para todas as pessoas. O fracasso é concluir que, dos ideais da Revolução Francesa (1789-1799), a Direita tenha escolhido a liberdade e a Esquerda, a igualdade. E quase dois séculos depois de exemplos de governos catastróficos em nome de uma ou de outra, ainda não evoluímos para incluir o terceiro pilar, a fraternidade, nessa equação.
Afinal, que mundo queremos?

NOSTALGIA DO OBSCURANTISMO

Publicado no Blog Opiniões (aqui) em 11/10/2017


“A criação do homem”, pintado por Michelangelo no teto da Capela Sistina (Vaticano), entre 1508 a 1512, mostra Adão nu, sendo tocado pelo Criador. A arte iluminando a humanidade que saía do obscurantismo da Idade Média

Num dos filmes do Superman o inesperado acontece: em meio a um terremoto causado pelo vilão Lex Luthor, a jornalista Lois Lene tem seu carro tragado por uma fenda que se abre na estrada e morre. No espanto do silêncio era possível ouvir a mais tênue respiração da plateia decepcionada que lotava o saudoso Cine Goitacá. Clark Kent, disfarce do homem de aço que caiu na Terra ainda bebê, vindo de Kripton, mal tinha se recuperado de sua exposição à kriptonita, e, com seus poderes restaurados, descobre o triste fim de seu amor platônico. Num rompante de desespero, começa a dar voltas cada vez mais rápidas em torno do planeta de forma a fazê-lo girar para trás e, por consequência, o tempo, até segundos antes do acidente e consegue evitar a morte da intrépida jornalista. O cinema veio abaixo em aplausos, gritos e assovios.
A cena da Terra girando em sentido anti-horário é a imagem que me vem à cabeça nesses dias em que a sensação é que o mundo está de fato, e não apenas na ficção, retrocedendo, resgatando discussões e medos que pareciam superados pela marcha da evolução humana. Estávamos enganados. O medo do diverso e de tudo que ameaça tirar do cômodo conforto está fazendo com que muita gente se pinte para a guerra em defesa de um modus videndi que acham o “certo”, mas mantinham-se silentes, em seus protegidos armários, talvez por não quererem ir contra a corrente que se entendia majoritária e/ou por não saberem da existência de outros tantos com as mesmas inquietações.
A internet e o formidável mundo da comunicação instantânea transformaram as redes sociais em tribunas livres (às vezes tribunais), num ambiente que sepultou definitivamente o perigo do pensamento único e do controle absoluto seja pelo Estado, Religião ou outra forma de dominação consentida que venha a surgir com a evolução inevitável. A aldeia global preconizada pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan, nos anos 60 do século passado, nunca foi tão real, assim como a consequência por ele prevista, ou seja, enquanto a imprensa teria destribalizado o mundo, a tecnologia iria retribalizar. Todos estão conectados com o mundo, porém com interação cada vez mais restrita às suas tribos, aos seus iguais.
É normal que as pessoas se sintam incomodadas e até constrangidas com certas posições de outras por elas admiradas, assim como certo estou que o inverso é verdadeiro. O dissenso é a essência da democracia. Dito isso, e respeitadas as opiniões dos que se alinham ao movimento conservador que vem ganhando terreno em todo o mundo, é preciso dizer que as pessoas têm o direito de agir e pensar de acordo com seus princípios e assim educar seus filhos. Extrapola desse direito os que querem impor sua visão do mundo aos outros, impedindo ou demonizando quem pensa diferente.
Os recentes casos das exposições sobre diversidade, em Porto Alegre, e o do artista nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo trouxeram à tona preconceitos, exageros e medos. É espantoso como a sexualidade alheia incomoda tanta gente. Mesmo onde não há nenhuma conotação de sexo, tem gente que consegue ver as mais terríveis perversões que devem existir só nas cabeças de quem as vê. No caso especifico do MASP, quem levou a menina a tocar os pés do artista nu foi a própria mãe, ela sim a responsável legal pela educação da menor e não cabendo a ninguém substituí-la nos estritos limites da lei, na medida em que não se configurou nenhuma vulnerabilidade. Ver pedofilia em tudo pode ser um distúrbio sério e que precisa ser tratado. O naturista que leva seus filhos a uma praia de nudismo está educando-os dentro de uma filosofia de vida e não cometendo um crime.
Pior é quando a autoridade pública investida na função pelo voto impõe à sociedade a sua visão de mundo em detrimento de um dos mais caros princípios constitucionais, que é a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, conforme o inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Foi o que o prefeito do Rio, a mais cosmopolita das cidades brasileiras, desrespeitou ao censurar a exposição Queermuseu prevista para o MAR (Museu de Arte do Rio). Em infeliz blague, o prefeito, que é bispo da Igreja Universal, divulgou vídeo em que disse que a exposição poderia ir para o fundo do mar e nunca exposta no MAR. Não gostar, achar de mau gosto esta ou aquela manifestação artística, tudo bem, mas a opção é de quem tem capacidade de escolher o que vê. Para os menores, classificação etária é condição básica, como programas de televisão, cinema e teatro. No caso da exposição do MASP, havia classificação etária, conforme informou o membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, em entrevista (aqui).
Essa nostalgia do obscurantismo latente na sociedade tem se revelado nas relações sociais e, enquanto ficam restritas aos “costumes” limita-se a reações às mudanças de comportamento, especialmente nas questões de gênero e sexo. O sexo continua sendo o grande bicho-papão que cresceu e ficou mais “perigoso” agora que é possível discernir sexo e gênero. Gênero é o que consta no RG erroneamente como sexo, enquanto este tem relação com o desejo e nem sempre está focado no gênero oposto, ou nos dois ou em nenhum.
O que realmente preocupa não é quem e de que forma sente e realiza seu desejo, porque a receita é cuidar da própria sexualidade da forma que mais se aprouver, até mesmo se o prazer seja policiar a cama do outro. O que acende a luz amarela nessa onda de nostalgia do obscurantismo e a Nação mais poderosa do mundo eleger alguém que pensa como Donald Trump; é o nacionalismo radical em ascensão na Europa e as vivandeiras dos quartéis se assanharem com ideias de (re) intervenção militar no Brasil. Apenas três décadas nos separam daquele período de censura e tortura e já tem gente com saudade! Não aprendemos nada, com a história? E os mortos e desaparecidos nos porões do regime ou pelos guerrilheiros que a ele se opunham?
Nunca é de mais lembrar que o mundo está em evolução. Há menos de 200 anos os negros eram legalmente mercadorias no Brasil. As mulheres só conquistaram o direito de votar em 1932, mas continuaram parcialmente incapazes por mais 30 anos e só poderiam trabalhar fora de casa com autorização expressa do marido. A conquista do voto secreto, direto, periódico e universal é fruto de uma Constituição que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Portanto, nada contra um militar filiar-se a um partido político e disputar uma eleição como cidadão qualquer, mas que nunca mais se prevaleça das armas sob sua guarda para submeter a Nação e não protegê-la. E aos que, com razão, não suportam mais os desmandos dos civis no governo, lembrem-se que sob os militares os casos de corrupção também existiam, não vieram à tona porque nos cinco governos dos generais (1964-1985), a imprensa era amordaçada, o Judiciário acovardado e as policiais eram do regime e não do Estado.
Mais atual que nunca é a surrada frase do ex-primeiro ministro britânico, Sir Winston Churchill: “a democracia é a pior das formas de governo, excetuando-se as demais”.

DE VOLTA AO PASSADO


Publicado no Blog Opiniões(aqui) em 27/09/2017 

 Kennedy e Khrushchov evitaram a guerra em 1962 e em nada lembram Trump e Kim Jong-un

“É preciso dar um basta a essa maldita fabricação de armas. O mundo precisa fabricar é paz”.
Homilia de D. Hélder Câmara, na Missa dos Quilombos (disco gravado em 1982 por Milton Nascimento e os bispos D. Hélder Câmara e D. Pedro Casaldáliga).

Talvez desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, naqueles 13 dias que abalaram o mundo em outubro de 1962, o Planeta nunca tenha flertado tanto com o apocalipse como nestas últimas semanas. Diferente de meio século atrás, dois idiotas convictos têm o poder de apertar os botões e iniciar a guerra do fim do mundo. De um lado, o ditador Kim Jong-Un, terceiro de uma dinastia bélica, afronta o mundo civilizado com armas nucleares apontadas para o Japão e, garantem, com poder de fogo para atingir os Estados Unidos. Na outra ponta da insana disputa, o líder da nação mais poderosa da Terra, Donald Trump, com a sutileza de um elefante em casa de louças, tuíta ameaças de destruição total — “fogo e fúria” contra a Coreia do Norte.
“É melhor que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos Estados Unidos. Enfrentarão fogo e fúria como o mundo nunca viu”, declarou Trump em seu clube de golfe em Bedminster, Nova Jersey, onde passava férias há duas semanas. “Agora, Trump insultou a mim e ao meu país diante dos olhos do mundo e fez a mais feroz declaração de guerra da história, de que ele destruiria a República da Coreia do Norte”, completou Kim, retribuindo as ameaças na sequência. “Definitivamente, domarei com fogo esse americano senil mentalmente perturbado”, afirmou Kim Jong-un.
Em nada lembram os estadistas Jonh Kennedy e Nikita Khrushchov, que evitaram em 1962, a guerra numa delicada operação diplomática em que os instintos de sobrevivência dos dois líderes mundiais falaram mais alto. O filme “Treze Dias que Abalaram o Mundo”, de Roger Donalson (2000), retratam como esses dois homens evitaram o primeiro disparo porque sabiam quem depois de iniciada seria praticamente impossível impedir a destruição total.
Naquele cenário de guerra fria resumida às duas grandes potências que dividiram o mundo em dois ao final da Segunda Guerra (1939-1945), apenas elas, União Soviética e Estados Unidos eram potências nucleares. Atualmente o cenário é mais grave porque os conflitos são pulverizados por diversas áreas do Planeta e uma dezena de nações tem armas nucleares, incluindo a Coreia do Norte e outros países tão instáveis quanto, como Paquistão, Índia, além das potências econômicas, China, Reino Unido, França, Rússia, Israel e Estados Unidos. No Irã dos aiatolás há suspeitas não confirmadas, ainda.
Ao longo da história, as guerras entre os povos foram justificadas com argumentos econômicos e expansionistas em um mundo ainda em construção. Conquistadores — heróis-bandidos — movidos pela ambição de ampliar territórios e impor sua cultura, como Alexandre, Júlio César, Gengis Khan, Napoleão, Hitler ou Stálin estariam confinados aos livros de história com os ares pacifistas que respiramos a partir dos anos finais do século XX. Os acordos de não proliferação das armas nucleares e a desmobilização de arsenais atômicos na Ásia, Europa e mesmo nos Estados Unidos, autorizavam-nos a sonhar com um mundo futuramente livre da ameaça de destruição. Ledo engano.
Como a morte que espreita o homem desde o berço, o espectro da autodestruição paira sobre nossas cabeças. De novo estamos de volta ao passado!