segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

ARTIGO: GAROTINHO TENTA RESSURREIÇÃO NO FACEBOOK

Artigo publicado no Blog Opiniões em 14/02/2018 (aqui) e na edição impressa da Folha da Manhã de 15/02/2018 (página 3):

Sobre o afastamento do prefeito Rafael Diniz, falta mais credibilidade a quem lidera o movimento do que motivos para a mobilização

Irresignado com o ostracismo imposto após sua estadia preventiva nas cadeias de Benfica e Bangu, o ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) ocupa a mente baldia entre devaneios e conspirações. Alguém em seu juízo perfeito e réu em diversas ações judiciais usaria o tempo disponível para cuidar da própria defesa. Registre-se: Garotinho teve prisão preventiva decretada tanto na “Operação Chequinho” (que apura compra de votos em troca de cheque cidadão nas eleições de 2016) quanto na “Caixa D’água” (esquema ilícito de arrecadação de fundos para campanhas eleitorais). Em ambas foi solto por decisão do ministro Gilmar Mendes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas os processos prosseguem…
Com tanto a explicar na Justiça, sem programa de rádio, enxotado do próprio partido do qual era presidente estadual e, portanto, sem legenda para tentar uma eventual eleição em outubro, Garotinho tem se valido de entrevistas em rádios comunitárias e transmissões ao vivo pelo Facebook para destilar sandices contra adversários, como se fosse o mais puro dos mortais. Agora aventa um mirabolante movimento pelo impeachment do prefeito Rafael Diniz (PPS). Talvez ainda afetado pela estadia em celas inóspitas, tem cometido erros que não se perdoa em um político com sua experiência (no bom e mau sentido): pede votos para imaginária campanha de governador e ainda para os candidatos a deputado estadual que o apoiariam. Disse, literalmente: “faça o seguinte: não vote só em mim. Vote num deputado que está no meu lado. Porque olha só, o cara vai votar em mim e vai votar num deputado estadual contrário, sabe o que vai acontecer? Depois eu vou ter que gastar dinheiro para comprar esse deputado…” A entrevista rendeu duas investigações pela Procuradoria Eleitoral, uma por campanha antecipada e outra pela desastrada declaração.
Se isso não bastasse o ex-governador deu para aparecer no Facebook com uma pasta preta que guardaria, segundo ele, documentos que comprovariam atos de corrupção na atual administração da Prefeitura de Campos, liderada pelo prefeito Rafael Diniz que, em outubro de 2016, ganhou a eleição, no primeiro turno. O roteiro é detalhado. Primeiro as “denúncias” seriam levadas à Câmara Municipal — a petição já estaria até pronta — garante Garotinho; no mesmo dia as denúncias seriam protocoladas no Ministério Público Estadual e Federal, porque os “desvios” envolveriam verbas tanto do Estado quanto da União. Enquanto isso, segundo os planos, um abaixo-assinado pedindo o impeachment do prefeito seria passado nos bairros e distritos para culminar simbolicamente no dia 8 de março com um “grande ato na praça São Salvador” e a “documentação” da pasta preta finalmente seria revelada. O vídeo está disponível na internet.
É certo que a gestão conservadora do prefeito Rafael Diniz e a escassez de recursos nos cofres municipais abrem espaço para a manifestação garotista, que é típica da democracia e bem-vinda seja qualquer iniciativa que torne a administração pública mais transparente. Falta, no entanto, mais credibilidade a quem lidera o movimento do que motivos para a mobilização.
Prefeito eleito duas vezes e por mais dois mandatos de prefeito de fato, Garotinho sabe melhor do que ninguém como funciona a máquina da Prefeitura. Portanto, se houver algum desvio na atual administração ele deve conhecer o caminho e é lícito e justo que denuncie e que sejam apuradas as denúncias e punidos os culpados. Mas, por mais esforço que se faça para ver boa intenção por trás dessa iniciativa aparentemente cívica, a movimentação da combalida e desacreditada máquina garotista não passa de uma tentativa de sobrevivência política e alguma esperança de acordar a minguada militância para uma natimorta campanha eleitoral. Mobilizar insatisfeitos com o aumento na taxa de iluminação pública e de coleta de lixo, apesar de pesar no bolso, convenhamos, é pouco, muito pouco para indignar a população ao ponto de exigir o afastamento do prefeito eleito por 155 mil eleitores (55% dos votos válidos) e convocação de nova eleição. Depois de marcar e remarcar nova eleição para a prefeitura em 2017, desta vez, o ex-governador anunciou eleição suplementar municipal para dia 07 de outubro, coincidente com as eleições da presidente, governador e para o Congresso Nacional.
Enquanto aguarda as eleições nas quais o próprio ainda não tem nem partido pelo qual concorrer, Garotinho ainda tem de administrar o que restou de seu projeto de poder, muito bem definido pelo ex-aliado fiel, o deputado estadual Geraldo Pudim (MDB) numa entrevista para a Folha da Manhã no domingo dia 04 (aqui): “o pai, a mãe e os dois filhos”. Ora, se os dois filhos são candidatos à Câmara Federal (Wladimir com votos do interior e Clarissa com a Capital e Grande Rio), restaria ao chefe do clã só o Governo do Estado ou o Senado. Ou vai sacrificar os rebentos e impor-se como candidato a deputado federal numa eleição mais fácil, praticamente certa e que lhe garanta um palanque e holofotes por quatro anos? Em qualquer cenário as perspectivas não lhe são favoráveis: só lhe restaria algum partido nanico, com pouco tempo de rádio e TV; não tem máquina administrativa para extrair apoio financeiro e ainda padece de crise de credibilidade com os sucessivos processos judiciais e prisões e que estão longe, muito longe de acabar.

ARTIGO: UMA ENCRUZILHADA CHAMADA 2018

Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 31/01/2018

Um longo caminho e uma encruzilhada no caminho do Brasil até outubro de 2018


A manifestação da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministra Carmen Lúcia, durante jantar promovido pelo site Poder 360 em Brasília, na última segunda-feira, 29, praticamente sepultou tanto a possibilidade de registro da candidatura de Lula quanto deixou mais plausível sua prisão. Quanto à lei da Ficha Limpa, a ministra disse que a questão está pacificada na Corte e que é improvável que o STF reverta o entendimento atual: de que os condenados em segunda instância ficam automaticamente impedidos de concorrer a cargos públicos, independente de entrarem com recursos nos tribunais superiores. Foi mais longe: considerou que seria “apequenar o Supremo”, trazer a discussão por causa de um caso (condenação de Lula), a revisão da decisão de permitir a prisão de condenados em segunda instância. Carmem Lúcia lembrou que votou a favor da decisão duas vezes: “em 2009 fui voto vencido, em 2016, fui voto vencedor”. Consequência imediata da manifestação da presidente do STF, a defesa do ex-presidente pediu e teve negado habeas corpus ao STJ, para evitar a prisão imediata tão logo sejam julgados os embargos interpostos no TRF-4.
Nos trinta anos da Constituição Cidadã a democracia recente brasileira vai enfrentar o maior dos desafios de três décadas de construção. Como a Lula nada resta senão o enfrentamento vai buscar massa popular suficiente nas ruas para criar os fatos que alterem o entendimento do direito já posto. Da mesma forma movimento inverso deve buscar o mesmo para manter o petista fora da eleição.  Por um lado o cenário mostra uma encruzilhada da vida nacional onde, ou se opta pelo enfrentamento com consequências imprevisíveis ou manutenção da previsibilidade que nos trouxe até aqui. Há amadurecimento suficiente das instituições democráticas para levar a termo um processo eleitoral sob tal pressão como parece nunca visto antes. De um lado, pressão dos que entendem que eleição sem Lula é golpe, de outro, os que defendem que, condenado por uma justiça regularmente funcionando, ao ex-presidente resta o cumprimento da pena e suas consequências.
Justa ou não, a confirmação da condenação do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é o divisor de águas das eleições de 2018. Todas as pesquisas até aqui apontavam o petista na preferência dos eleitores e um embate eventual no segundo turno contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Na iminência de ser barrado pela Lei da Ficha Limpa — que impede candidatura de condenados em segunda instância por determinados crimes, como corrupção passava e lavagem de dinheiro, pelos quais teve a pena aumentada para 12 anos e um mês pelos desembargadores do Tribunal da Lava-Jato — Lula pode colher, como fruto de batalha jurídica em defesa de sua candidatura, o papel de cabo eleitoral de alguém que eventualmente ganhe musculatura eleitoral no PT — Fernando Haddad ou Jacques Wagner — ou optar por outra candidatura de outra legenda, mas que una a esquerda, tipo Guilherme Boulos (PSOL) ou até Ciro Gomes (PDT). Com ou sem seu nome na urna eletrônica, Lula estará no centro do debate eleitoral.
Independente da definição do quadro de candidatos o Brasil vai às urnas em 07 de outubro dividido e deve sair mais rachado ainda. Na eleição de 2014, a vencedora deve 51,64% dos votos contra 48,36% do derrotado. A soma de votos nulos brancos e abstenções foi de 4,63%, ou seja, maior que diferença entre os dois candidatos. E, como a polarização só cresceu nos últimos quatro anos, é de se esperar uma disputa mais que acirrada, a menos que, sem Lula na disputa, a contundência antipetista modere o discurso dos adversários e surja alguma possibilidade de, tanto à esquerda quanto à direita, candidaturas pluripartidárias baseadas em programas comuns e convergindo para o centro de espectro ideológico, algo assim como Rodrigo Maia (DEM) ou Geraldo Alckmin (PSDB).
PSB, PDT, PCB e PSOL, entre outros, conversam sobre alternativas à candidatura de Lula, da mesma forma como no canto oposto, DEM, PDSB, PPS, PMDB e partidos-satélites, abririam mão de suas lideranças próprias para apresentar um projeto para o país. Talvez seja esta a grande necessidade do país hoje: um projeto do que queremos, para onde vamos e quais são as nossas escolhas. De um lado, um Estado intervencionista, com todos os seus benefícios e mazelas e, do outro, o liberalismo com os seus prós e contras. E que os 140 milhões de eleitores decidam quem tem a melhor proposta e lhe dê mais votos.
Pena que a vida real não é tão simples e democrática assim. Os discursos eleitorais são vazios, tanto de um lado quanto de outro. As propostas eleitorais resumem aquilo que os eleitores imaginam que querem — de acordo com o vaticínio dos deuses-marqueteiros — ouvir, e geralmente estão certos e se falassem o que precisa ser dito, não se elegeriam. Não entendemos ainda que as disputas eleitorais são as mais importantes oportunidades para o processo de educação política do povo e não apenas decidir quem vai ocupar o poder pelos próximos quatro anos. E com certeza não será desta vez que vamos mudar isso.

ARTIGO: O (P) MDB E O DESERTO POLÍTICO DO RIO

Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 17/01/2018 e na edição impressa da Folha da Manhã de 21/01/2018 (página 4)

Segundo maior mais importante Estado entre os 27 da Federação, o Rio de Janeiro tem suas principais lideranças políticas presas ou na expectativa de ir para a cadeia. Neste cenário é que se dará a eleição para o governo em outubro


Com sua cúpula trancafiada na cadeia de Benfica, o PMDB está praticamente fora da disputa pelo Governo do Estado em outubro deste ano. Seja como protagonista (Sérgio Cabral em 2006, 2010 e Pezão 2014) ou coadjuvante (Garotinho 1998 e Rosinha 2002), o partido que há décadas comanda o Estado, quem diria, afunda na lama escondida sob os tapetes vermelhos dos Palácios Guanabara e Tiradentes. Espichando o olho ainda mais atrás está lá o PMDB do então jovem e promissor Sérgio Cabral como fiel escudeiro do governo Marcello Alencar (1995-1998). Mais ainda? Nos dois governos Brizola (1983-1986 e 1991-1994), foi também o PMDB, à época nas mãos dos não menos notórios que seus sucedâneos, Gilberto Rodrigues e José Nader, quem garantiu a governabilidade e recebendo em troca espaço político para exercer sua especialidade: o fisiologismo.
Quem conhece um pouco da história do PMDB desde que ainda era apenas MDB (nascido do AI-2 que implantou o bipartidarismo no Brasil, em 1965), sabe que em suas hostes sempre conviveram políticos dos mais diversos matizes ideológicos e graduações fisiológicas. Nos tempos da ditadura civil-militar (1964-1985) os que não estavam presos, exilados ou tinham optado pela clandestinidade e luta armada só tinha lugar no MDB. Àquela altura o partido conseguia reunir ao mesmo tempo os que tinham “ódio e nojo à ditadura”, como Ulysses Guimarães; moderados da linhagem de Tancredo Neves;  radicais como Marcos Freire e até ex-arenistas convertidos, sendo o mais emblemático de todos o alagoano Teotônio Vilela. Liberal de formação, Teotônio foi eleito e reeleito pela Arena, mas sempre com diálogo e respeitado pela oposição e — oficialmente filiado à oposição — foi um dos mais importantes líderes da campanha pela anistia e um dos símbolos da luta pela “Diretas Já”, da qual não chegou a ver os megacomícios porque morreu de câncer, em 1983(*).
No Estado do Rio de Janeiro o PMDB tem um capítulo especial. Afinal, foi aqui que o partido (na época sem o “P”) “elegeu” o único governador não filiado ao partido oficial da ditadura, a Arena. Aliás, o jornalista Antônio de Pádua Chagas Freitas, alinhadissimo com o regime dos generais, foi escolhido governador por duas vezes. De 1971 a 1975 governou o Estado da Guanabara e, de 1979 a 1982 o novo Estado do Rio de Janeiro, que resultou da fusão do velho RJ e da GB. Chagas era um entusiasta do golpe de 64 e só não se filiou à legenda oficial do governo “revolucionário”, porque seu adversário paroquial, Carlos Lacerda, um dos civis mais ativos na conspiração contra o governo civil derrubado, teve a preferência. Restou-lhe o MDB, onde implantou uma fantástica estrutura fisiológica com base na grande quantidade de cargos públicos herdados da antiga capital de República, Brasília já havia sido inaugurada desde 1960, mas muitos órgãos públicos ainda funcionavam no Rio. Vem deste fisiologismo uma das expressões mais depreciativas para identificar uma prática: o chaguismo.
Sem Chagas, o fisiologismo evoluiu para a corrupção pura e simples. Assaltaram a máquina pública e não só para alojar seus cabos eleitorais. Explodiu com Cabral na esteira da lava-jato e levou de roldão os czares da Alerj que sustentaram politicamente todos os governadores desde que o novo Estado do Rio foi criado, em 1975.  A consequência disso é que o ainda maior partido do país e que foi hegemônico nas últimas décadas no RJ não tenha um nome para concorrer ao Palácio Guanabara nas eleições deste ano. Teria o ex-prefeito Eduardo Paes se o mesmo não estivesse, também, encalacrado na quadrilha de Cabral. Além disso, ser prefeito do Rio não tem sido boa credencial para disputar o Governo do Estado. Está aí o prefeito-bispo Marcelo Crivella (PRB) que chegou a disputar o segundo turno para o Estado em 2014 e foi eleito prefeito dois anos depois e sequer é cotado para concorrer de novo. O único a conseguir foi Marcello Alencar, prefeito biônico pelo PDT de 1983 a 1986 (naquela época os prefeitos das capitais eram indicados pelos governadores e não eleitos), e em 1994 foi eleito governador pelo PSDB. César Maia, que foi prefeito três vezes e derrotado outras tantas nas tentativas de governar o Estado.
Atualmente vereador do Rio de Janeiro, Maia faz o caminho inverso dos filhos de políticos que montam na garupa dos pais e pareou seu projeto político ao do filho, Rodrigo Maia, em ascendência na Presidência da Câmara e em processo de credenciamento para ser o candidato do Centro do espectro político à Presidência da República. Se engrenar sua candidatura à sucessão de Michel Temer, Rodrigo credencia automaticamente o pai para disputar o Palácio Guanabara. César Maia, aliás, está disponível para disputar qualquer cargo, porque como vereador, tem mandato até 2020 e pode entrar em qualquer aventura sem prescindir de seu bom salário pago pelos cariocas. E, no deserto de opções em que se encontra o Estado, um eventual êxito está mais próximo do pai que do filho.
Na esquerda não se vislumbra nenhuma opção. O quadro de maior visibilidade, Marcelo Freixo (PSOL) já anunciou que é candidato a deputado federal. Na outra ponta estaria uma eventual candidatura da família Garotinho (o próprio ou sua preposta esposa), mas ambos, que também passaram pelo PMDB, estão tão enrolados quanto seus inimigos, seja na “Lava-Jato”, “Chequinho” ou “Caixa D’ Água”. Na iminência de terem condenação confirmada em segunda instância, o que tornaria os dois inelegíveis, restaria a estratégia de colar suas figuras à do ex-presidente Lula que terá batalha semelhante para garantir sua candidatura para tentar voltar ao Planalto. Alguma chance é melhor que nenhuma.
O detalhe é que tanto na candidatura para o Governo do Estado quanto ao Planalto, nem Lula nem Garotinho poderão contar com o PMDB.

(*) MARCHI, Carlos – “Senhor República, A vida Aventurosa de Teotônio Vilela, um político honesto”. Editora Record – 2017

ARTIGO: FOLHA PLURALISTA: ONTEM E HOJE

Artigo publicado na edição especial da Folha da Manhã, em 07/01/2018, e no Blog Opiniões (aqui):

Quando a Folha comemorou uma década, em 1988, a redação preparou sua primeira grande edição comemorativa e reservou uma página inteira para apresentar toda a equipe em retratos 3×4. Um deles era o meu, que tinha chegado ao jornal, como repórter, um ano antes pelas mãos de Ângela Bastos, com quem trabalhara em A Notícia e que me apresentou ao Aluysio Cardoso Barbosa, bigode vistoso, voz de trovão e uma mansidão que foi me conquistando à medida que revelava seu estilo companheiro e paternal. Esta primeira passagem pela Folha (foram quatro ou cinco) terminaria logo. Fui trabalhar na TV Norte Fluminense e, depois, chefiar a secretaria de Comunicação nos governos Garotinho e Sérgio Mendes. A partir de 1991, voltei como editor-geral. Em 1997, estava novamente de volta, a tempo de participar das comemorações pelos 20 anos do jornal e para exercer funções como chefe de reportagem, editor de Política e editor-geral, até outubro de 2002.
Na edição dos 15 anos (1993) escrevi um artigo publicado na página 20 e cujo recorte está entre os poucos textos de lavra própria em meus guardados. Lá se vão 25 anos e não mudei de opinião quanto à defesa do engajamento do jornalista.  Escrevi: “Quanto mais engajado for o jornalista, mais isento e fiel à verdade será o jornal em que trabalha. A afirmação pode ser paradoxal, mas se justifica na medida em que o engajamento com determinada linha de pensamento confere ao profissional de comunicação um compromisso com a história que, dificilmente, se dissocia da luta pelo desenvolvimento da sociedade. E do conjunto desses profissionais resulta um jornal verdadeiramente engajado na defesa da cidade e de seus valores”.
No artigo de 25 anos atrás citei, sem o devido crédito, uma frase atribuída ao escritor argelino-francês Albert Camus, “os males que a imprensa causa são infinitamente menores que os males que ela tenta evitar”. Era um argumento para eventuais e naturais desvios e fui além: “Para que o jornal seja ainda mais fiel ao seu papel de escrever a história, é importante que esse engajamento seja pluralista. E da redação comandada pelo mais pluralista dos jornalistas da Folha, o próprio Aluysio Barbosa, saía e ainda sai um jornal que é a cara da cidade (…) que reflita no dia seguinte o que a comunidade viveu na véspera. Uma comunidade pluralista e democrática como a Folha da Manhã”.
O comando e o pluralismo foram herdados por Aluysio Abreu Barbosa, que embora (ainda) sem a mansidão paterna, mantém e ampliou a diversidade de profissionais e colaborares que traduzem o conjunto de opiniões que reflete a cidade a partir desse engajamento plural que dura 40 anos. Que venham outros 40.

(*) Jornalista e ex-editor-geral da Folha

ARTIGO: RAFAEL DINIZ E O PERIGO DO "TANTO FAZ"

Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 03/01/2018:
Rafael Diniz: com a casa arrumada, duros cortes feitos nos programas sociais e melhor arrecadação, é hora de mostrar se tem projeto político ou de poder


As previsões dos derrotados de 2016 redundariam em mero despeito de mau perdedor se o atual governo municipal conseguisse encerrar seu primeiro período do quadriênio com as treze folhas do funcionalismo 100 por cento quitadas. Bateu na trave. O candidato à pitonisa da Lapa alardeava que a bancarrota não passava de maio; adiou o fim do mundo para julho e depois outubro. Dezembro chegou e, a despeito das críticas que se pode e deve fazer ao governo do prefeito Rafael Diniz, com os servidores ativos e inativos com os salários em dia, mas apenas com parte do abono de Natal. Nada mal para uma equipe nova, que herdou uma administração quase falida, pouco mais da metade do orçamento executado no ano anterior e uma dívida assustadora que ameaçava devorar, mensalmente, até 30% dos minguantes royalties pelos próximos anos.
Criado em 1962 pela lei 4.090, de autoria do então senador trabalhista Aarão Steinbruch e sancionada pelo presidente João Goulart, o décimo terceiro salário é um incremento na economia de final de ano e adquiriu caráter de “boia de salvação” para milhões de trabalhadores que têm, no salário extra, a chance de saldar compromissos acumulados durante o ano ou financiar algum regalo para si e suas famílias. Se para o trabalhador é um direito adquirido, para o empregador é um indicador de como vão finanças. Que o digam os servidores de alguns estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, entre outros, e agora, os de Campos dos Goytacazes, que ficaram a ver navios.
A grande vitória da gestão Rafael Diniz foi conseguir, na Justiça, limitar em 10% o pagamento dos empréstimos contraídos pela dupla Rosinha & Garotinho com a antecipação dos royalties. Aliás, essa limitação consta não só no projeto de lei em que a Câmara Municipal aprovou o empréstimo, como a base de Resolução do Senado que alicerçou juridicamente a transação financeira com a Caixa Econômica Federal. Com a decisão, ainda liminar, da Justiça, o município desembolsou cerca de R$ 50 milhões para abater a venda do futuro em vez dos cerca de R$ 200 milhões se prevalecessem as condições assinadas pelo governo passado.
Com a dívida resultante da venda do futuro, razoavelmente equacionada, duros cortes de despesas em programas sociais, redução de salários de cargos comissionados, entre outras medidas saneadoras, o governo chega ao seu segundo ano com melhores perspectivas, a começar com previsão de arrecadação de R$ 2 bilhões nos próximos doze meses. Daí que a constatação matemática é inevitável: com os cortes nas despesas e contenção quase total nos investimentos, o governo Diniz terá em 2018, proporcionalmente, quase o mesmo cenário do último ano de Rosinha & Garotinho e consequentemente será preciso reciclar os argumentos para justificar a falta de ações efetivas, especialmente nas áreas mais sensíveis como Saúde, Educação e Transportes.
Além disso, o quadro ganha contornos positivos ou negativos — depende de onde se olha — quando se constata que há muitos anos (ou décadas), não tínhamos uma administração municipal tão afinada com o poder central, seja com a Presidência da República ou Câmara dos Deputados. Portanto, esse segundo tempo do quadriênio Diniz que começou dejahojinha, como dizemos na Baixada Campista, será mais intenso de cobranças do que visto no ano passado. E, como ano eleitoral e diante do anúncio que o “grupo político” do prefeito sonha eleger um deputado federal e dois estaduais, há expectativa é que a energia e recursos acumulados no difícil 2017 apareçam como realizações em 2018.
O risco é que tudo redunde num projeto de poder que simplesmente substitua o que foi derrotado, o que deve levar o eleitor/cidadão a apertar o botão do “tanto faz”. Afinal, se é para manter o mesmo esquema de compartilhar o poder entre um grupo que vai elegendo amigos e retroalimentando as mesmas lideranças a cada eleição sob o argumento de que há um projeto político, quando na verdade o projeto é de poder, realmente tanto faz.

ARTIGO: MAIS UMA FATIA DESPONTA NO HORIZONTE

Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 20/12/2017


O ano de 2017 se despede transferindo para o sucessor as incertezas e imbróglios que não conseguimos desatar em seus longos 12 meses. E nada como um ano de eleições presidenciais, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas para praticar o mais exitoso dos esportes nacionais: adiar para período seguinte. E assim não fustigar os humores sensíveis do “Senhor mercado” e renovar quimeras de uma Shangri-la para o (ainda) crédulo eleitorado. E as demandas postergadas não são poucas.
O atual governo, parido de um golpe constitucional — respeitando as regras da Constituição — implantou uma agenda diversa da escolhida pelo eleitorado em 2014, tirou economia do breque, é verdade; moveu alguns milímetros a taxa do desemprego (que continua na casa de 12 milhões de brasileiros)e reduziu a inflação e taxa de juros em números respeitáveis. Porém à custa da cassação de direitos historicamente consagrados, como na reforma trabalhista (lei 13.467, de 13 de julho de 2017) e alienação de boa parte da riqueza nacional para pagar a conta da agenda: refinanciamento de dívidas de empresários com até 90% de desconto e pagamento em 180 vezes, além de outra benesse exclusiva para os ruralistas, com condições e prazos tão camaradas quanto. E, no pagar das luzes do ano, Suas Excias. tiveram ainda oportunidade de aprovar a Medida Provisória 795/2017 que resulta na renúncia de cobrança de impostos às petroleiras estrangeiras cuja conta chega a R$ 1 trilhão em 20 anos.
Nesse mesmo contexto, o governo passou 12 meses tentando aprovar uma reforma da previdência pública, sob o argumento de que precisa “acabar com privilégios” sob pena de não ter como custear as aposentadorias e pensões nos próximos anos.  Independente das informações que cada um tem, é consenso que alguma reforma na legislação previdenciária é necessária de tempos em tempos por causa da atualização atuarial, expectativa de vida, entre outros fatores. No entanto, entre o valor máximo de aposentadoria pago a um trabalhador privado de R$ 5.531,00 e cerca de R$ 50 mil recebidos por juízes e desembargadores (sim, acima do teto de R$ 33.763,00), há uma abissal diferença. Onde estão os privilégios, nas altas castas do funcionalismo dos três poderes, no trabalhador celetista ou na grande maioria do funcionalismo público onde a média salarial mal passa dos R$ 8 mil?
A barganha para tentar votar a reforma, que entre outras medidas, aumenta a idade mínima para aposentadoria do homem para 65 anos e da mulher para 62, custou muito aos cofres da União e, por conseguinte, do contribuinte, porque a cada tentativa o governo abria as burras para liberar emendas, conceder isenções e até afrouxar a fiscalização do trabalho escravo — ver portaria 1.129 de 13/10/2017 do Ministério do Trabalho. Deu em nada, não conseguiram reunir os 308 votos mínimos necessários para aprovar o texto na Câmara e já remarcaram a votação em primeiro turno para fevereiro próximo, logo depois do Carnaval.
Mas, como ocorreu no que se finda, é para o Judiciário que olhos estarão voltados já na primeira fatia, como definiu Carlos Drummond de Andrade,  de 2018. Está marcado para o dia 24 de janeiro, o julgamento dos recursos do ex-presidente Lula na 8ª Turma no Tribunal Regional Federal (TRF-4) de Porto Alegre. Lula foi condenado a nove anos e seis meses pelo juízo na 13ª Vara Federal de Curitiba por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O juiz Sergio Moro concluiu que o ex-presidente teria recebido um apartamento no valor de R$ 2,2 milhões como pagamento de propina pago pela empreiteira OAS. Mantida a sentença de primeira instância por unanimidade, Lula estaria inelegível pela Lei Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, e pela qual qualquer cidadão condenado por decisão colegiada não poderia participar de eleições. Além disso, há o entendimento ainda vigente no STF que determina o cumprimento da sentença de prisão a partir da decisão de segunda instância e não mais do trânsito em julgado, quando todos os recursos estão esgotados. A batalha político-judicial vai fazer de 2018 uns dos anos mais animados dos últimos tempos.
Que venha!

  1. Para compensar a aspereza de muitos dos temas que tratei aqui neste “Opiniões”, quinzenalmente desde janeiro, deixo o poema do moço de Itabira, com os votos de Feliz Natal e um edificante 2018 para todos.

Cortar o tempo

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. 
Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão. 
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. 
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez 
com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente… 

Para você, Desejo o sonho realizado. 
O amor esperado. A esperança renovada. 
Para você, Desejo todas as cores desta vida. 
Todas as alegrias que puder sorrir. 
Todas as músicas que puder emocionar. 

Para você neste novo ano, 
desejo que os amigos sejam mais cúmplices, 
que sua família esteja mais unida, 
que sua vida seja mais bem vivida. 

Gostaria de lhe desejar tantas coisas… 
Mas nada seria suficiente… 
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos. 
Desejos grandes… 
e que eles possam te mover a cada minuto,
no rumo da sua FELICIDADE!!!”

Carlos Drummond de Andrade

ARTIGO: A VÍTIMA PERDEU O PALCO

Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 06/12/2017:

Cena emblemática de um político sem limites: caçapa de camburão

Assim como as relações espúrias entre empreiteiras e agentes públicos escancaradas na Lava Jato, há muito se sabia que o mesmo se repetia na Planície Goitacá. Por falta de aviso é que não foi: por diversas vezes a chamada “mídia alternativa”, especialmente os blogs, denunciou relações suspeitas entre construtoras, prestadoras de serviços e a municipalidade, sem nenhuma providência efetiva dos órgãos de controle. Eram contratos milionários e aditamentos (de valores e prazos) cujos extratos dos contratos eram printados diretamente do Diário Oficial e divulgados, mas sem tirar da inércia os que deveriam, no mínimo, proceder a abertura de investigação.
O caso da Working Empreendimentos é emblemático porque até as pedras portuguesas do Bouvelard Francisco de Paula Carneiro sabiam que havia algo de errado na onipresença da empresa nos contratos da municipalidade. Era uma empresa polivalente e tinha contrato para reforma e manutenção de escola, obra de drenagem, venda de abrigo de passageiros, aluguel de equipamento e montagem de palco e banheiros químicos. Mas foi outra empresa do grupo, a Ocean Link Solutions Ltda que ganhou fama nacional ao emitir nota fiscal fria para encobrir doação ilegal da JBS à campanha de Garotinho em 2014 e puxou o fio de uma meada que chegou de um esquema de extorsão e arrecadação eleitoral ilegal que levou à cadeia, além do casal Garotinho, dois ex-secretários municipais, empresários locais e o ex-ministro dos Transportes do Governo Dilma, Antônio Carlos Rodrigues (ex-senador e atual presidente nacional do PR) e o genro dele.
A investigação só chegou tão longe porque o empreiteiro André Luiz da Silva Rodrigues, Deca, fez acordo de colaboração com o Ministério Público revelando, entre outras ilegalidades, que o então secretário de governo da Prefeitura de Campos, Anthony Garotinho, teria exigido R$ 5 milhões de empreiteiros para sua malsucedida campanha pelo governo do Estado em 2014. Há notícias de que os outros quatro participantes da “reunião dos R$ 5 milhões”, que teria sido realizada no escritório da campanha na torre Rio Sul, no Rio de Janeiro, confirmariam a delação de Deca. Segundo a denúncia do MP, o atual deputado estadual Geraldo Pudim (PMDB), à época aliado e coordenador da campanha, estava presente e foi arrolado para depor, como testemunha, no próximo dia 18. Se os empreiteiros e Pudim confirmarem o relato do delator, a temporada de Garotinho na cadeia de Bangu tende a se estender. Salvo providencial ajuda do TSE, especialmente do ministro Gilmar Mendes, presidente da Corte e responsável pelo plantão durante o recesso judiciário que começa no próximo dia 20.
Durando mais alguns dias ou meses, a prisão de Garotinho é resultado de sua opção de fazer política de forma obsessiva e testando o limite das pessoas, das instituições e da própria capacidade de sair das situações que cria. Ainda é cedo para dizer que sua meteórica carreira chegou ao fim, mas ao completar nesta quarta-feira, dia 6, duas semanas preso numa cela de Bangu, é possível concluir que vai precisar se reinventar para tentar dar a volta por cima. Não cabe avocar para si o mérito do desbaratamento da quadrilha de Cabral e debitar seu calvário à vingança dos inimigos. Garotinho agora precisa mais. Precisa provar que não extorquiu empresários, não participou de esquema de nota fiscal fria para encobrir doação de caixa 2 e não chefiou a própria organização criminosa.
Nessa peça não tem personagem vítima.

ARTIGO: EXISTE DIVÓRCIO ENTRE O BRASIL E BRASÍLIA?

Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 22/11/2017:


Protestar nas redes sociais pode ser mais confortável, mas 2018 parece que vai provar que só barulho nas ruas provoca a verdadeira mudança


O descompasso entre a impopularidade das instituições, medida nas pesquisas de opinião e nas redes sociais, e a desenvoltura com que governo e Congresso impõem mudanças significativas para o dia-a-dia dos cidadãos, são a prova mais evidente da crise de representatividade pela qual passa o país. Eleitores não se sentem representados pelos governantes, que por sua vez prescindem de aprovação popular para as medidas que favorecem minorias dominantes em franco desfavor da maioria que paga a conta. É isso mesmo ou a crise de representatividade é um falso dilema e tacitamente, o governo e o Congresso mais corruptos da história recente são o fiel espelho do país?
Talvez seja por isso que os brasileiros já não reagem mais — ou reagem insuficientemente — diante das mais variadas formas de rapinagens descobertas todos os dias e seletivamente punidas. Ou nos satisfazemos com meras manifestações nas redes sociais? O ponto alto da revolta recente parece ter sido os protestos de junho de 2013, abortados não pelas conquistas ocasionais, mas pelo horror generalizado causado pela ação dos Black blocs, com suas bombas incendiárias depredando bancos, lojas e não poupando o patrimônio público. Sessenta anos atrás, um líder dos marinheiros chamado José Anselmo dos Santos era um dos mais exaltados defensores das greves que paravam o país (inclusive militares) e ajudou a precipitar o golpe civil-militar que mergulhou o país em 21 anos de ditadura. No alvorecer na redemocratização descobriu-se que o lendário Cabo Anselmo, era agente infiltrado a soldo dos militares para radicalizar e dar argumentos aos golpistas.
Inocentes úteis? O que se viu depois que as ruas se calaram foi uma crescente onda desmoralizante das instituições na cauda de descobertas de “nebulosas transações” envolvendo  políticos e autoridades de todos os poderes e quase todos os partidos: centenas de bilhões roubados no petrolão do PT-PP-PMDB; outros bilhões de negociatas dos tucanos que comandam o mais rico estado da federação há duas décadas e, mais recentemente, a confirmação das suspeitas gerais da máfia dos transportes públicos no Rio, que teria surrupiando (só em evasão de tributos) R$ 200 bilhões de reais sob o comando de Sérgio Cabral (o filho), Jorge Picciani e meia dúzia de empresários do setor.
Da mesma forma deve estar plasmada na memória nacional a imagem dos R$ 51 milhões, em espécie, encontrados no bunker do ex-ministro Geddel Vieira Lima e seu irmão, deputado federal Lúcio Vieira Lima em Salvador (BA). A Polícia Federal não só tem elementos para ligar o dinheiro aos irmãos, como encontrou as digitais de ambos no material apreendido. Geddel era um dos mais íntimos da turma do Jaburu, como se chamam os amigos do presidente Michel Temer que, como vice-presidente da República na chapa do PT, o indicara para ministro de Lula e vice-presidente da Caixa no Governo Dilma.
Com tantos motivos para ir às ruas bater panelas, o brasileiro tem se contentado em protestar nas pesquisas de opinião: nas últimas sondagens, espinafram o governo Temer com 97% de reprovação. A aprovação está dentro da margem de erro. Paradoxalmente aproveitando-se do anestesiamento da população, o governo vem extinguindo direitos e favorecendo uma agenda conservadora que leva o país de volta ao século XX ou até mesmo XIX. Ao fazer concessões à base conservadora-fisiológica de mais de duas centenas de deputados para conseguir arquivar as denúncias da Procuradoria-Geral da República de que seria chefe de uma quadrilha, Michel Temer, prepara um legado diametralmente oposto ao que se espera de um professor constitucionalista que já foi. Vai passar para a história como o presidente que relativizou o conceito de trabalho escravo para agradar a banda ruralista; impôs significativas perdas de direitos com a lei que “modernizou” a CLT e assanhou os arautos do atraso que agora se acham suficientemente fortes para impor ao país sua pauta oportunista, mas travestida de cristã, evangélica e de defesa da família. Um exemplo é a emenda constitucional 181/2015, estuprada em sua intenção inicial para criminalizar as três possibilidades legais de aborto: o decorrente de estupro, de risco para a mãe e de feto anencéfalo. Aliás, é uma heresia atribuir denominação de “evangélico” para grande parte dessa banda retrógrada do Congresso porque ignoram a lição básica dos evangelhos: “amar ao próximo”.
E mais: não nos surpreendamos se aproveitarem da onda ultraconservadora — na qual surfam alguns sinceros, mas a maioria é oportunista — para reduzirem a maioridade penal para 16 anos, como se o problema da violência estivesse apenas nas pessoas e não também nas causas. Esse populismo legislativo leva os deputados e senadores a resumirem todos os problemas à edição de leis e endurecimento das que já existem. Acreditam que manter a política de encarceramento agrada aos eleitores e reforçam a sensação de segurança que confunde justiça com vingança. Não passam de oportunistas porque sabem que enfrentar os problemas a médio e longo prazos, com políticas de inclusão através da educação, cultura e esportes é muito mais demorado e trabalhoso. E mais: cidadão emancipado não vota em deputado/senador que viceja na ignorância alheia. Mais fácil é defender prisão para criança, usuário de droga, ladrão de galinha; para que a mulher não tenha direito sobre o seu corpo.
Surpresa também não será se até o final de 2018, Temer e Congresso, depois de estancada a “sangria da Lava Jato”, ampliar o foro privilegiado para os ex-presidentes da República e, de uma cajadada só, proteger sob a sombra benfazeja do STF, José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Seria a retumbante vitória da impunidade.