Membro da Guarda Suíça fecha as portas da residência papal de verão,em Castel Gandolfo, para marcar o fim do pontificado de Bento XVI, nesta quinta-feira (28) (Foto: AP)
Mal o integrante da Guarda
Suíça fechou as portas da residência de verão dos papas oficializando o fim do
papado de quase oito anos de Bento 16, já se ouvia de longe o farfalhar das
batinas vermelhas dos 117 cardeais que vão escolher o novo chefe da Igreja
Católica.
O agora papa emérito, Joseph
Ratzinger, já era conhecido De alguns de nós brasileiros desde os tempos em que
era o prefeito da Sagrada Congregação para os Ritos da Fé (o antigo Santo
Ofício, que comandou a "Santa Inquisição" na Idade Média). Nesta
condição, para a qual foi nomeado por seu antecessor no trono de Pedro,
Ratzinger condenou o então frei Leonardo Boff ao silêncio e, assim, pontuou a
posição da Igreja contra a Teologia da Libertação.
Quero dizer que quando Ratzinger
surgiu na janela dos aposentos papais pela primeira vez naquela tarde de 19 de
abril de 2005 como Bento 16, o que veio à minha cabeça foi o inquisidor e seus
olhos me impuseram um temor tão grande, que escrevi, na época para o saudoso
Monitor Campista, um artigo com o título “Os olhos do pastor”. Junto veio a
imagem do homem que calou Leonardo Boff e a “opção preferencial pelos pobres”
surgida do Concílio Vaticano II (Puebla, México, 1968).
Ratzinger era o sucessor de um
papa pop, mas tão conservador quanto o sucessor que ele mesmo teria escolhido
e, por sua vez. Bento 16 sucedeu, antes de ascender ao trono de Pedro, aos
inquisidores que obrigaram Galileu Galilleu a abjurar e negar sua convicção de
que a Terra girava em torno do Sol e não o contrário.
Milenar e decadente, a Igreja
Católica Apostólica Romana já foi tão poderosa que podia decidir até o
movimento dos astros. Hoje, com todo respeito, é um grande e belo museu a céu
aberto.
A Igreja pode estar viva pelo
mundo quando fala a língua dos homens, defende os desvalidos, promete o Céu mas
não nega o pão, o emprego, a moradia e a dignidade humana sem a qual a melhor
opção é acreditar mesmo num Céu que pode até não existir.
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Abril de 2005 - Poder e Glória de um papa, que parece mais homem que santo |
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Fevereiro de 2013 - Simplificidade até nas vestes para anunciar renúncia |
Bento 16, com seus olhos de águia, dogmas pétreos e fé
inquestionável, foi para mim se tornando humano a partir daquela segunda-feira
de Carnaval quando anunciou a decisão de renunciar à glória e o poder que o ministério
petrino oferece para viver em oração. Se os escândalos de pedofilia acobertada
por criminosos de batina (muitos inclusive com direito a usar o barrete
cardinalício) ou financeiros ajudaram na decisão, pouco importa. O que realmente
importa é qual caminho os cardeais vão escolher para a instituição que congrega
cerca de 2 bilhões de fiéis (incluindo uns não tão fiéis, como eu) para as
próximas décadas. Continuar com o dogma das catacumbas como defende o papa
emérito Joseph Ratzinger (acham que a Igreja não deve acompanhar a evolução da
humanidade de se manter fiel às tradições mesmos que volte a se reunir nas
catacumbas de Roma, como no início do Cristianismo) ou se abrir para os
problemas do mundo em defesa da liberdade, da dignidade e da prosperidade para
todos nesta vida e nas que vierem (se vierem!).
O Ratzinger que se despediu
hoje dos fiéis na Praça de São Pedro tinha os olhos amenos e não os de da águia
faminta do dia da ascensão. Lembro-me de uma frase de Leonardo Boff, transcrita
no meu artigo de 2005 para o Monitor, que diz mais ou menos assim: “tomara que
o Espírito Santo tenha inspirado os cardeais a escolher um cordeiro em pele de
lobo”. Com humildade da renúncia, o reconhecimento da falta de forças e de
saúde para enfrentar os problemas podem indicar que Leonardo Boff tinha razão.
(Texto produzido a partir da memória do autor, suas reminiscências e convicções)