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Show da banda Jammil e uma noites na virada do ano de 2014 atraiu cerca 80 mil pessoas (aqui) e custou R$ 200 mil |
Veja abaixo, na íntegra, a sentença da 2ª Vara da Justiça Federal de Campos dos Goytacazes, que submete a realização de shows em toda a orla do município de Campos à autorização prévia. A ação foi movida pelo Ministério Público Federal e noticiada em primeira mão pela jornalista Suzy Monteiro, em seu Blog Na Curva do Rio, na Folha on line.
A ação foi proposta em 2008 e da sentença cabe recurso ao Tribunal Regional Federal (TRF) por tratar-se de decisão de primeira instância. A multa pelo descumprimento é de R$ 100 mil por evento a ser paga pelo (a) prefeito (a). O motivo alegado pelo MPF é que o local é área de preservação ambiental e de desova de tartarugas marinhas.
02ª Vara Federal de Campos
Processo n.º 0003121-80.2008.4.02.5103 (2008.51.03.003121-4)
Classe: 6001 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
CONCLUSÃO
Nesta data, faço estes autos conclusos para Sentença a(o) MM. Sr(a). Dr(a). Juiz(a) da(o) 02ª Vara Federal de Campos.
Campos, 23 de maio de 2013.
FRANCINE RIBEIRO MOREIRA NEVES
Diretor(a) de secretaria
SENTENÇA ¿ TIPO A
Vistos e analisados estes autos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente Ação Civil Pública em face do MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES, visando, em síntese, a condenação do réu em obrigação de não fazer, consistente em não realizar e não permitir que quaisquer outras pessoas, físicas ou jurídicas, realizem shows e outros eventos ao longo da orla de todo o Município de Campos dos Goytacazes.
Asseverou que BA Praia de Farol de São Thomé, em área situada ao lado do campo de futebol que é objeto da ação civil pública nº 2008.51.03.002653-0, há realização de shows, durante o verão, de quinta-feira a domingo, ocasião em que inúmeros condutores de caminhonetes passeiam livremente pela praia e pela área remanescente de restinga, encontrando-se boa parte dessa vegetação suprimida. Relata que a área em questão é local de desova de tartarugas marinhas, espécies em extinção, e que recebem especial atenção através do PROJETO TAMAR. Disse que a partir da resposta de ofícios solicitando informações a diversos órgãos, tais como a FEEMA, a GRPU, o PROJETO TAMAR, o IBAMA, o Batalhão de Polícia Militar e o Batalhão do Corpo de Bombeiros, ficou constatado que o Município de Campos dos Goytacazes promove shows na praia, desrespeitando a legislação em vigor.
Assevera que os shows são realizados sem a necessária solicitação e autorização do Corpo de bombeiros e da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, e sem qualquer tipo de manifestação dos órgãos ambientais, em que pese os shows sejam realizados em área de preservação permanente e ainda, em área de domínio da União, sem qualquer solicitação ou autorização da Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Acrescenta que por ser o local área de desova de tartarugas marinhas, as consequências dos shows são funestas, não havendo qualquer cuidado com o meio ambiente.
Requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que fosse determinado liminarmente ao Município de Campos dos Goytacazes que deixasse de promover shows, tampouco permitisse que quaisquer outras pessoas, físicas ou jurídicas, os realizem em toda a orla do Município de Campos dos Goytacazes, bem como deixasse de promover quaisquer tipos de eventos artísticos, culturais ou esportivos, e tampouco permitisse que outras pessoas, físicas ou jurídicas, os realizassem em toda a orla do Município de Campos dos goytacazes, sem a prévia autorização ou permissão dos órgãos competentes, em especial a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, o Corpo de Bombeiros e a SPU) e a competente e prévia licença/autorização concedida pelo órgão ambiental competente, após manifestação do Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade, atestando que a realização do evento objeto do requerimento não causará danos à fauna e à flora locais.
Requereu a intimação do IBAMA e da União para que manifestassem seu interesse em integrar o polo ativo da demanda, e ao final, a confirmação por sentença do provimento antecipatório.
A inicial veio acompanhada de documentos (folhas 24/79).
Foi determinada a intimação do Município de Campos dos Goytacazes nos termos do artigo 2º, da Lei nº 8.437/1992, para se manifestar acerca do pedido de liminar (folhas 116/119).
O Município de Campos dos Goytacazes se manifestou às folhas 123/136 sobre o pedido liminar, requerendo seu indeferimento e comprometendo-se a colaborar com o Projeto TAMAR e a afastar o palco o mais longe possível da área de desova de tartarugas. Juntou documentos (folhas 137/48).
O pedido liminar foi analisado e deferido às folhas 155/157, nos exatos termos em que requerido.
Foi noticiada a interposição de agravo de instrumento pelo Município de Campos dos Goytacazes (folhas 170/181).
Intimados para manifestarem interesse em integrar a lide, o IBAMA e a União requereram prazo (folhas 188 e 190). A União veio aos autos à folha 192 requerendo sua integração na lide, e que seja fixada multa pelo descumprimento da decisão liminar. Também veio aos autos o IBAMA, e requereu sua integração à lide como assistente do autor (folha 196).
O Município de Campos dos Goytacazes veio aos autos à folha 207 requerendo a reconsideração da liminar, afirmando que os órgãos de fiscalização ambiental não se opõe à realização de eventos culturais e artísticos na Praia do Farol, e junta os documentos das folhas 208/325.
A liminar foi mantida à folha 326.
Contestação do Município de Campos dos Goytacazes às folhas 328/332, alegando que a ação perdeu seu objeto, uma vez que já foram providenciadas as autorizações junto às Polícias Militar e Civil do Estado do Rio de Janeiro e ao Corpo de Bombeiros, que não há necessidade de manifestação do Instituto Chico Mendes de Preservação de Biodiversidade, por não se tratar o local de unidade de conservação federal, que há manifestação do INEA, no sentido de nada ter à opor em relação à utilização temporária da faixa de areia pertencente à orla marítima da praia de Farol de São Thomé para realização de atividades esportivas, recreativas ou culturais, e por fim, que já foi dada entrada em processo junto `GRPU solicitando permissão de uso da praia de Farol de São Thomé, não havendo mais necessidade do presente processo, pois o Município cumpriu todas as exigências necessárias para a correta utilização da área da Praia de Farol de São Thomé.
O Ministério Público Federal requereu a intimação do Município de Campos dos Goytacazes para comprovar estar cumprindo todas as determinações da liminar deferida (folha 335).
O Município de Campos dos Goytacazes juntou ofício do ICMBio informando nada ter a opor em relação à realização dos eventos no local (folhas 339/340) e se manifestou às folhas 349/3353 acerca da solicitação de esclarecimentos feita pelo Ministério Público Federal, reiterando o pedido de extinção do processo por perda de objeto e juntando os documentos das folhas 355/364.
O Ministério Público Federal se manifestou às folhas 370/373, afirmando que os documentos juntados não são suficientes para comprovar a regularidade e o cumprimento da liminar, e requereu a fixação de multa pelo descumprimento da mesma.
Foi juntada cópia da decisão que negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo Município de Campos dos Goytacazes contra a decisão que deferiu a liminar (folhas 377/383).
Foi proferida às folhas 384/386 decisão deferindo a intervenção do IBAMA na lide, e aplicando multa pelo descumprimento já efetivado da decisão judicial liminar no montante de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) ao Município de Campos dos Goytacazes, bem como arbitrando multa de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) a ser paga pelo Município de Campos dos Goytacazes, além de multa pessoal de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) ao Prefeito de Campos dos Goytacazes, no caso da realização de novos shows na área mencionada na demanda, a serem revertidas ao Fundo previsto na Lei nº 7.347/1985. Por fim, foi determinada a intimação do Prefeito do Município de Campos dos Goytacazes para que informasse os nomes de todos os responsáveis pela autorização dada à realização dos shows, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária no montante de R$ 1.000,00 (um mil reais).
O Município de Campos dos Goytacazes requereu às folhas 395/396 a juntada da Portaria nº 26, de abril de 2010, da SPU, que permitiu a realização dos shows na orla da praia de Farol de São Thomé no período de 21/12/2009 a 28/02/2010, e informou às folhas 397/423 a interposição de agravo de instrumento contra a decisão das folhas 384/386.
Nova manifestação do Município de Campos dos Goytacazes às folhas 424/425, juntando os documentos das folhas 426/430.
Cópia da decisão liminar proferida no agravo de instrumento interposto pelo Município de Campos dos Goytacazes apenas para suspender o pagamento da multa de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) (folhas 432/437).
O Ministério Público Federal se manifestou às folhas 439/440, requerendo a expedição de ofícios pelo juízo, á SPU e ao ICMBio.
O Município de Campos dos Goytacazes reiterou às folhas 441/442 o pedido de extinção do processo por perda do objeto.
Manifestação do IBAMA sustentando que o Município de Campos dos Goytacazes não comprovou o cumprimento das determinações da liminar.
Foi deferido o pedido do Ministério público Federal em relação à expedição de ofícios (folhas 448/449).
Juntada cópia às folhas 473/494 da decisão proferida no agravo de instrumento interposto pelo Município de Campos dos Goytacazes, ao qual foi dado parcial provimento, apenas para reduzir a multa pelo descumprimento já efetivado para R$ 100.000,00 (cem mil reais), para afastar a multa aplicada ao Município de Campos dos Goytacazes por novo descumprimento, mantendo a multa aplicada ao Prefeito nesse caso, mas reduzida também para R$ 100.000,00 (cem mil reais), frisando que serão exigíveis somente após o trânsito em julgado.
Manifestações do ICMBio às folhas 500/502 e 516/519 e da SPU às folhas 503/504.
Após manifestação do Ministério Público Federal no sentido da desnecessidade da realização da audiência especial requerida pelo Município de Campos dos Goytacazes (folha 526), foi determinada a conclusão dos autos para sentença.
É o relatório. Passo a decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
Da perda de objeto da demanda
É manifestamente improcedente a alagação do Município de Campos dos Goytacazes no sentido de que, por ter supostamente cumprido as exigências determinadas na liminar, a ação teria perdido seu objeto.
Ora, o cumprimento das determinações de decisão judicial liminar é ônus imposto à parte em decorrência da própria força da decisão, sob pena das cominações legais cabíveis, não dando causa à perda de objeto do processo.
De outra parte, se o Município entende que as determinações são corretas, e que por isso, deve cumpri-las, sem necessidade de que haja decisão judicial, é porque reconhece a procedência do pedido, e isso gera a procedência da demanda, no mérito, e não a extinção por perda do objeto.
Nestes termos, rejeito as reiteradas e sem fundamento arguições de perda de objeto do processo.
MÉRITO
Inicialmente, verifico que embora os shows e demais eventos objeto deste processo eram realizados na orla da praia do Município de Campos dos Goytacazes, mais especificamente na Praia de Farol de São Thomé, em local de domínio da União, por se tratar de terrenos de marinha, o pedido do Ministério público Federal visa restringir a realização desses eventos, com vistas a reduzir o impacto ambiental negativo, em toda a orla do Município de Campos dos Goytacazes, e não apenas na referida praia de Farol de São Thomé, e assim será decidido.
Os terrenos de marinha e seus acrescidos, incluídos pelo artigo 20, inciso VII da Constituição Federal como bens da União, são conceituados pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946, nos seguintes termos:
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
A ocupação de terrenos de marinha não é vedada pelo ordenamento jurídico; ao contrário, é expressamente permitida pela legislação, ocorrendo, nesse caso, a "divisão do domínio", restando a União com o "domínio útil" do terreno e o particular com o "domínio direto". Essa ocupação, regra geral, se dá pelo regime de aforamento, previsto também no Decreto-Lei nº 9.760/1946:
Art. 64. Os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos.
§ 1º A locação se fará quando houver conveniência em tornar o imóvel produtivo, conservando porém, a União, sua plena propriedade, considerada arrendamento mediante condições especiais, quando objetivada a exploração de frutos ou prestação de serviços.
§ 2º O aforamento se dará quando coexistirem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública.
§ 3º A cessão se fará quando interessar à União concretizar, com a permissão da utilização gratuita de imóvel seu, auxílio ou colaboração que entenda prestar.
No caso dos autos, resta incontroverso que as áreas objeto do processo são de terrenos de marinha, bens de domínio da União. Mas não é só. Os shows e demais eventos tidos por irregulares pelo Ministério Público Federal estavam sendo realizados dentro de ¿área de preservação permanente¿ definida, na época do ajuizamento, pela combinação dos artigos 1º, § 2º, inciso II, 2º e 3º, da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal) com a Resolução CONAMA nº 303/2002:
Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
[...]
§ 2º Para os efeitos deste Código, entende-se por: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) (Vide Decreto nº 5.975, de 2006)
[...]
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em faixa marginal cuja largura mínima será:
[...]
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
[...]
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
[...]
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
[...]
O ato do Poder Público a que se refere o artigo 3º, acima mencionado, no caso da vegetação fixadora de dunas, é justamente a Resolução CONAMA nº 303/2002:
Art. 1º Constitui objeto da presente Resolução o estabelecimento de parâmetros, definições e limites referentes às Áreas de Preservação Permanente.
Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:
[...]
VIII - restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorrem mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e abóreo, este último mais interiorizado;
[...]
X - duna: unidade geomorfológica de constituição predominante arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação;
Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:
[...]
III - ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa com metragem mínima de:
a) trinta metros, para os que estejam situados em áreas urbanas consolidadas;
IX - nas restingas:
a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;
b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;
[...]
XI - em duna;
[...]
XV - nas praias, em locais de nidificação e reprodução da fauna silvestre.
Além disso, a Constituição também estabelece como bens da União, além dos terrenos de marinha e seus acrescidos, ¿as praias marítimas¿ (artigo 20, inciso IV), assim consideradas, na forma do artigo 10, § 3º, da Lei nº 7.661/1988:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.
Portanto, percebe-se que a área objeto dos eventos impugnados nestes autos está situada em praias marítimas, definidas nos termos da legislação acima, sendo também bem da União, o que atrai a legitimidade ativa do Ministério Público Federal e a necessidade de anuência da SPU.
A respeito da utilização irregular em áreas de preservação permanente, por se tratar de questão que visa a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos do artigo 225, da Constituição, deve ser feita com a anuência dos órgãos ambientais.
No caso específico dos autos, o local de realização dos shows é notoriamente conhecido por ser área de desova de tartarugas marinhas, espécie ameaçada de extinção e sob especial proteção do Projeto TAMAR vinculado ao ICMBio.
Na manifestação das folhas 517/519, podemos colher a manifesta agressão ao meio ambiente causada pelos shows e outros eventos realizados pelo Município de Campos dos Goytacazes sem qualquer cuidado com o meio ambiente. Destaco da referida manifestação:
¿Tartarugas marinhas utilizam como locais de desova as praias do litoral brasileiro as que possam contar com fatores físicos que propriciem ao mesmo tempo abrigo relativamente seguro para seus ovos e o calor necessário para garantir a incubação e a eclosão dos filhotes. O Brasil registra a ocorrência de cinco das sete espécies de tartarugas marinhas existentes no mundo: Cabeçuda (Caretta caretta), Verde (Chelonia mydas), de Pente (eretmochelys imbricata), de Couro (Dermochelys coriácea) e Oliva (Lepidochelys olivacea), todas incluídas na lista brasileira de animais ameaçados de extinção.
A região de Campos dos Goytacazes é considerada uma área prioritária para a conservação das tartarugas marinhas da espécie Cabeçuda, Caretta caretta, na região Sudeste do Brasil, principalmente por ser a região mais ao sul de ocorrência da espécie, tendo aproximadamente 1.600 desovas anualmente.
Empreendimentos realizados na região de praia podem interferir a dinâmica reprodutiva da espécie, afugentando as fêmeas no momento em que estas sobem a praia para desovar, destruir os ninhos ou desorientar os filhotes após o nascimento quanto ao seu retorno ao mar. O período de desova das tartarugas que ocorre nos meses quentes do ano, entre os meses de Setembro de Março, sendo bastante importante a manutenção das desovas in situ, ou seja, no próprio local determinado pela fêmea de tartaruga marinha, das praias do referido Município, minimizando a possível manipulação dos ovos e interferência humana negativa, o que alteraria as taxas de eclosão e tempo de incubação para esta espécie.
Desta forma, considerando os principais impactos causados por eventos festivos em praias de desova sobre as tartarugas marinhas são:
1. Fotopoluição
Poluição luminosa decorrente de instalações humanas em áreas litorâneas, causada pela incidência direta de luminosidade sobre a praia, pela luminosidade de pontos luminosos a partir da praia ou área marinha e pela formação do horizonte luminoso decorrente da dispersão da luz, pode alterar comportamentos noturnos críticos para as espécies de tartarugas marinhas, em especial a forma como estes animais selecionam seus sítios de desovas, como retornam para o mar após a postura e como os filhotes localizarão o mar após a emersão dos ninhos.
A incidência da iluminação em praias onde ocorrem desovas de tartarugas marinhas é regulamentada pela Portaria IBAMA nº 11 de janeiro de 1995, que proíbe qualquer fonte de iluminação que ocasione intensidade luminosa superior a Zero LUX, numa faixa de praia compreendida entre a linha de maior baixamar até 50 m (cinquenta metros) acima da linha de maior preamar do ano (maré de sizígia). A Portaria nº 11/1995, determina em seu Artigo 1º:
¿... proibir qualquer fonte de iluminação que ocasione intensidade luminosa superior a Zero LUX, numa faixa de praia compreendida entre a linha de maior baixa-mar até 50 m (cinquenta metros) acima da linha de maior pré-a-mar do ano (maré de sizígia), nas seguintes regiões: ... a) no Estado do Rio de Janeiro, da praia do Farol de São Tomé (Campos dos Goytacazes) até a divisa com o Estado do Espírito Santo (São Francisco do Itabapoana)...¿
2. Presença humana nas praias
Tráfego intenso de pessoas também pode compactar os ninhos em incubação dificultando o nascimento dos filhotes pré-emergentes. A presença humana durante a noite pode causar o abandono do processo de nidificação pela fêmea. Instalações de palcos, camarotes, dentre outros, impedem as fêmeas de alcançarem áreas propicias para desova, danificam os ninhos e podem interferir na temperatura de incubação devido ao sombreamento.
3. O Trânsito de veículos nas praias
Causa a compactação da areia, dificultando e muitas vezes impedindo a saída dos filhotes dos ninhos, pode causar o atropelamento das fêmeas e filhotes no percurso entre o ninho e o mar; pode criar sulcos na areia impedindo os filhotes de atingirem o mar. Durante a noite o fluxo de veículos desoriente e perturba fêmeas no processo de desova, e pode danificar ou remover as balizas de marcação de desovas, em caso de colisão. O Trânsito de veículos nas praias de desova de tartarugas marinhas é proibido pela Portaria nº 10 do IBAMA, de 30 de janeiro de 1995, na faixa de praia compreendida entre a linha de maior baixa-mar até 50m (cinquenta metros) acima da linha de maior preamar do ano (maré de sizígia).
Ressaltamos ainda que a Resolução CONAMA nº 10 de outubro de 1996, determina em seu artigo 1º que ¿...O licenciamento ambiental, previsto na Lei 6.938/81 e Decreto 99.274/90, em praias onde ocorre a desova de tartarugas marinhas só poderá efetivar-se após avaliação e recomendação do IBAMA, ouvido o Centro de Tartarugas Marinas ¿ TAMAR¿.
Portanto, a liminar anteriormente concedida não só merece ser confirmada, como diante dos reiterados descumprimentos, com tentativas de interpretação diversa da referida decisão pelo Município, na vã tentativa de exonerar-se indevidamente de seu cumprimento, devem ser aclarados e especificados os termos em que a obrigação de não fazer deve ser cumprida.
Para tanto, observo, inicialmente, que nunca foi pretensão do Ministério Público Federal com a presente ação vedar taxativamente a realização de eventos culturais, artísticos e esportivos, em especial os ¿shows¿, na orla da praia de Campos dos Goytacazes, mas apenas compatibilizar a realização de tais eventos com a necessária preservação do meio ambiente no local, especialmente protegido por se tratar de área de desova de tartarugas marinhas.
Assim, para que fique claro como deve ser cumprida a liminar, que ora está sendo ratificada na presente sentença, para a realização de tais eventos, o Município deve:
a) abster-se de, para realização de quaisquer tipos de evento (cultural, artístico ou esportivo), em toda a orla do Município, construir ou autorizar que terceiros construam, estruturas, ainda que temporárias, na orla praiana, dentro da faixa composta por terrenos de marinha e seus acrescidos (conceituados pelos artigos 2º e 3º, do Decreto-Lei nº 9.760/1946) ou na faixa de praia (conceituada pelo artigo 10, § 3º, da Lei nº 7.661/1988), sem a anuência prévia e específica por parte da Secretaria do Patrimônio da União, na qual conste a data do evento a ser realizado, sua finalidade e local específico, além das estruturas temporárias que eventualmente venham a ser montadas, devidamente discriminadas, bem como o prazo para retirada de tais estruturas, e as providências que devem ser tomadas para a redução do impacto negativo na orla da praia.
b) abster-se de, para realização de quaisquer tipos de evento (cultural, artístico ou esportivo), em toda a orla do Município, construir ou autorizar que terceiros construam, estruturas, ainda que temporárias, na orla praiana, dentro da área reconhecida como de preservação permanente, assim considerada nos termos do artigo 3º, incisos IX, alíneas ¿a¿ e ¿b¿ e XV, sem a prévia e específica anuência dos órgãos ambientais estadual (INEA) e federal (ICMBIo ou IBAMA, com a necessária manifestação prévia e específica do Projeto TAMAR, nos termos da Resolução CONAMA nº 10/1996), nas quais constem a efetiva comprovação, por parte do Município ou de quem por este autorizado a realização do evento, e constatação pelos órgãos anuentes, mediante certificação de seus responsáveis, de que tais eventos não causarão danos à flora e a fauna, e especialmente em relação aos shows, que a iluminação utilizada está dentro dos parâmetros da Portaria nº 11/1995 do IBAMA, artigo 1º.
c) abster-se de realizar quaisquer tipos de evento (cultural, artístico ou esportivo), em toda a orla do Município, ou autorizar que terceiros realizem, sem obter ou que obtenham as prévias e específicas licença ou autorização das Polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro, e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, nas quais constem os requisitos a serem eventualmente cumpridos e a certificação pela autoridade autorizadora ou licenciadora de que os requisitos prévios estão sendo obedecidos na íntegra.
Multas por descumprimento
Em vista do já reconhecido descumprimento da liminar, havia sido cominada multa ao Município de Campos dos Goytacazes na decisão das folhas 384/386, a qual foi mantida, porém, reduzida, pelo TRF da 2ª Região, para o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais) (folhas 473/488), devidos pelo próprio Município, e que deve ser paga após o trânsito em julgado. Consolidada, assim, a incidência da referida multa.
A mesma decisão das folhas 384/386 cominou nova multa para o município em caso de reiteração do descumprimento, além de multa pessoal ao Prefeito de Campos dos Goytacazes, sendo a primeira revogada pelo TRF da 2ª Região (folhas 473/488), e a segunda mantida, porém reduzida para o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser paga pessoalmente pelo Prefeito responsável pelo novo descumprimento, após o trânsito em julgado da presente sentença. Fica, assim, consolidada a referida multa.
Saliento que, por ter o presente processo tramitado por mais de uma gestão da Prefeitura, caso tenha ocorrido sucessão no cargo de Prefeito, o sucessor também responde pela multa, no montante fixado pelo TRF da 2ª Região, no caso de ter praticado novo descumprimento, sem prejuízo do débito pelo sucedido em razão de eventual descumprimento na época de sua gestão.
Por fim, a decisão das folhas 384/386 cominou multa diária para o Prefeito de Campos dos Goytacazes para o caso de descumprimento da determinação de informar ao juízo os nomes dos responsáveis pelas autorizações em descumprimento da liminar, o que entendo desnecessário para a resolução do feito, nos termos que foi acima decidido, devendo a responsabilidade ficar na pessoa do Prefeito, que se entender necessário, deverá responsabilizar administrativamente, de forma subsidiária, os agentes públicos que tenham dado causa ao descumprimento, razão pela qual revogo a referida determinação e por consequência a multa cominada por seu descumprimento.
Por fim, sem prejuízo da incidência das multas acima, a serem cobradas após o trânsito em julgado, fixo para o caso de novo descumprimento após a publicação da presente sentença, multa pessoal para o(a) Prefeito(a) de Campos dos Goytacazes no mesmo montante anteriormente fixado pelo TRF da 2ª Região (R$ 100.000,00 (cem mil reais), a incidir em dobro no caso de ser novamente descumprido mais de uma vez. A exigibilidade da presente multa fica condicionada à comprovação de que houve o descumprimento e ao trânsito em julgado da presente sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito a preliminar de perda de objeto arguida pelo Município, confirmo a liminar anteriormente deferida e JULGO PROCEDENTE a presente ação civil pública, resolvendo seu mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o Município de Campos dos Goytacazes em obrigação de não fazer, assim consistente:
a) abster-se de, para realização de quaisquer tipos de evento (cultural, artístico ou esportivo), em toda a orla do Município, construir ou autorizar que terceiros construam, estruturas, ainda que temporárias, na orla praiana, dentro da faixa composta por terrenos de marinha e seus acrescidos (conceituados pelos artigos 2º e 3º, do Decreto-Lei nº 9.760/1946) ou na faixa de praia (conceituada pelo artigo 10, § 3º, da Lei nº 7.661/1988), sem a anuência prévia e específica por parte da Secretaria do Patrimônio da União, na qual conste a data do evento a ser realizado, sua finalidade e local específico, além das estruturas temporárias que eventualmente venham a ser montadas, devidamente discriminadas, bem como o prazo para retirada de tais estruturas, e as providências que devem ser tomadas para a redução do impacto negativo na orla da praia.
b) abster-se de, para realização de quaisquer tipos de evento (cultural, artístico ou esportivo), em toda a orla do Município, construir ou autorizar que terceiros construam, estruturas, ainda que temporárias, na orla praiana, dentro da área reconhecida como de preservação permanente, assim considerada nos termos do artigo 3º, incisos IX, alíneas ¿a¿ e ¿b¿ e XV, sem a prévia e específica anuência dos órgãos ambientais estadual (INEA) e federal (ICMBIo ou IBAMA, com a necessária manifestação prévia e específica do Projeto TAMAR, nos termos da Resolução CONAMA nº 10/1996), nas quais constem a efetiva comprovação, por parte do Município ou de quem por este autorizado a realização do evento, e constatação pelos órgãos anuentes, mediante certificação de seus responsáveis, de que tais eventos não causarão danos à flora e a fauna, e especialmente em relação aos shows, que a iluminação utilizada está dentro dos parâmetros da Portaria nº 11/1995 do IBAMA, artigo 1º.
c) abster-se de realizar quaisquer tipos de evento (cultural, artístico ou esportivo), em toda a orla do Município, ou autorizar que terceiros realizem, sem obter ou que obtenham as prévias e específicas licença ou autorização das Polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro, e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, nas quais constem os requisitos a serem eventualmente cumpridos e a certificação pela autoridade autorizadora ou licenciadora de que os requisitos prévios estão sendo obedecidos na íntegra.
Incumbe ao Ministério Público Federal fiscalizar o cumprimento da presente decisão pelo Município de Campos dos Goytacazes e comprovar a este juízo eventual descumprimento, para os fins que se fizerem necessários.
Consolido a multa pelo descumprimento já reconhecido da liminar, a ser paga pelo Município de Campos dos Goytacazes, após o trânsito em julgado, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), nos termos fixados pelo TRF2, a ser revertida ao fundo a que se refere a Lei nº 7.347/1985.
Consolido a multa pelo novo descumprimento da liminar eventualmente ocorrido a partir de 25/08/2010 até a data da intimação desta sentença, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), nos termos fixados pelo TRF2, a ser paga pelo Prefeito de Campos dos Goytacazes responsável pelo eventual descumprimento, a ser comprovado pelo Ministério Público Federal, para fins de exigibilidade da multa, que poderá ser cobrada após o trânsito em julgado da presente sentença, a ser revertida ao fundo a que se refere a Lei nº 7.347/1985.
Comino multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser paga pessoalmente pelo(a) Prefeito(a) de Campos dos Goytacazes, por eventual descumprimento da liminar ocorrido após a intimação da presente sentença, que será devido em dobro no caso de ser descumprido mais de uma vez, cuja exigibilidade dependerá de comprovação do descumprimento, por parte do Ministério Público Federal e do Trânsito em julgado desta sentença, devendo o valor ser revertido ao fundo a que se refere a Lei nº 7.347/1985.
É incabível a condenação do Município de Campos dos Goytacazes ao pagamento de honorários ao Ministério Público Federal, diante da vedação contida no artigo 128, § 5º, inciso II, alínea ¿a¿, da Constituição.
O Município de Campos dos Goytacazes é isento de custas, nos termos do artigo 4°, inciso I, da Lei n° 9.289/96.
Por fim, remetam-se os autos à SEDIS/CA, para que inclua no polo ativo, na condição de assistente litisconsorcial do Ministério público Federal, o IBAMA, conforme determinado às folhas 384/386 e até o momento não cumprido.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Campos dos Goytacazes/RJ, 10 de julho de 2014.
Assinado eletronicamente nos termos da Lei n.º 11.419/2006
GESSIEL PINHEIRO DE PAIVA
JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO