Dois poemas de Kapi, um dos maiores poetas da Planície, para refletir neste sábado de fim de safra, fim de queimadas... As dores é que não cessam nunca...
USINAAntônio Roberto Kapi de Góis Cavalcanti
Usina:
Usina são uns olhos
despertos antes do sol,
a boca mal-lavada
num gole de café...
e um esfregar de mãos
para aquecer o dia.
Usina é uma longa
E curta caminhada,
Inventada em carrocerias,
carroças e bicicletas.
Ou um usar de pés
pra se fazer o dia.
Usina é um balé!
de lenços-de-cabeça,
camisas de xadrez,
foice e facão...
entre gole e outro
de café,
Usina é um apito
de sol a pino,
feito de marmitas,
quando os olhos nada dizem
e as bocas são limpas
por mãos em costas.
Usina é um gosto
(doce-amargo)
de uns caldos escorrendo,
ora nas moendas
ora nos moídos...
É um fazer de conta,
Pós-apito,
Na birosca ao lado
Com uns parceiros:
Um remedar da vida.
Depois
Um mal dormir
De pais e filhos
(de fome, de frio, de medo)
Para que antes que o sol
Se tenha despertado,
— USINA É USURA!
São uns olhos
Que se estendem
Quando em vez
À casa-grande...
São umas vidas
Escapando pela chaminé
FULIGEM
Chove fuligem
No planeta Terra.
Não! Não é bem assim.
Chove fuligem
No coração do Brasil;
digo,
numa cidade do interior;
ou melhor,
chove fuligem
no meu coração.
E são tantas canas, meu Deus,
Que eu me revolto...
Mas só dá pra tomar um porre
E acordar numa cela
Por desacato à autoridade