A decisão é de 18/12/2012, mas foi publicada hoje no Diário Oficial de Justiça. Na decisão, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do SRF, nega seguimento ao pedido da Prefeitura de Campos para suspender a liminar concedida pela 4ª Vara Cível de Campos que mandou suspender a contratação de trabalhadores temporários. É bom ler os argumentos do ministro que alerta que a regra é concurso público. Recortei esse trecho:
"A magnitude dos editais (com dezenas de cargos diversos), a quantidade (mais de mil cargos), e a forma de contratação (todos por currículo e entrevista), publicados em curtíssimo período de tempo, e logo após amplo concurso realizado, configuram verdadeira violação aos [sic] princípios constitucionais, colocando em risco à [sic] continuidade dos serviços públicos, perpetuando a temporariedade e frustrando a regra do concurso público”.
A íntegra (aqui):
SL/658 - MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃO DE LIMINAR
Classe: | SL |
Procedência: | DISTRITO FEDERAL |
Relator: | MINISTRO PRESIDENTE |
Partes | REQTE.(S) - MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES ADV.(A/S) - PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES REQDO.(A/S) - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - JOSÉ PAES NETO ADV.(A/S) - JOSÉ PAES NETO INTDO.(A/S) - FUNDAÇÃO CULTURAL JORNALISTA OSWALDO LIMA ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE ESPORTES DE CAMPOS DOS GOYTACAZES ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - JOILZA RANGEL ABREU ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - IZAURA COLODETE ANTÔNIO DE SÁ FREIRE ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - MAGNO PRISCO PEREIRA NEVES ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - PATRÍCIA CORDEIRO ALVES ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - MARCELO NEVES BARRETO ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) - ANA LUCIA SANGUÊDO BOYNARD MENDONÇA ADV.(A/S) - SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS |
Matéria: | DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Concurso Público / Edital DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Contratos Administrativos | Suspensão |
Decisão:
Trata-se de pedido de suspensão de liminar, acompanhado por pleito de medida
cautelar, apresentado pelo Município de Campos dos Goytacazes/RJ contra decisão
proferida pela Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes nos
autos da Ação 0036725-24.2012.8.19.0014 (AI 0050773-30.2012.8.19.0000).
Narra o município-requerente que o
Juízo da 4ª Vara Cível deferiu medida liminar pleiteada em Ação Popular para
suspender os contratos firmados entre o ente público e trabalhadores temporários,
interromper o pagamento aos trabalhadores temporários já contratados e
abster-se de realizar novas contratações de mão-de-obra temporária.
Segundo argumenta o requerente, a
decisão concessória da medida liminar:
a)
Viola serviços e programas públicos essenciais, por forçar a descontinuidade das
respectivas prestações (art. 6º da Constituição);
b)
Causa dano ao erário, ao impedir o requerente de utilizar recursos públicos provenientes da União;
c)
Afasta norma local plenamente constitucional que permite a adoção de “processo seletivo simplificado” para a contratação de servidores públicos.
Ante o exposto, pede-se a suspensão da
medida liminar concedida pelo Juízo da 4ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes
nos autos da Ação 0036725-24.2012.8.19.0014, até que eventual sentença de
mérito condenatória transite em julgado.
É o relatório.
Decido.
Estão ausentes os requisitos que ensejariam a concessão da medida
pleiteada.
A suspensão de liminar é medida profundamente invasiva, cabível somente
em situações-limite em que posto em risco de ruína a continuidade da ordem social.
De fato, a suspensão de liminar não se
presta à concessão de efeito análogo à cautela ordinária, nem à substituição de
medida ou de recurso destinado a impugnar ou a desconstituir decisão judicial.
No caso em exame, a alegação de risco
de descontinuidade da ordem social é genérica e sem amparo probatório mínimo.
Em relação aos serviços de educação, o
requerente sustenta seu pedido com as seguintes palavras:
“A contratação temporária deflagrada pela referida Secretaria fez-se necessária em razão de haver nos presentes dias,
394 professores em licença médica, carência que não gera abertura de vaga real para chamamento de
profissionais efetivos e permanentes.
Além disso, há outros 200 profissionais
readaptados, sendo certo que a execução da liminar implica na ausência de profissionais em salas
de aula, gerando premente desordem social. Noutras palavras, a imediata mantença da decisão em epígrafe traduz se em não prestação do direito social à educação, ficando MAIS DE 7000 crianças sem as respectivas aulas,
gerando inevitável desordem social ao Município requerente.” (Doc. 02)
Os afastamentos e as readaptações por
razões de saúde são eventos passíveis de quantificação estatística e atuarial.
Faz parte do planejamento responsável a previsão de certo grau de ausências
temporárias e dos respectivos meios de suprimento (salvaguardas secundárias,
terciárias, redundantes etc). Esse backup
deve ser suprido pelo quadro efetivo do ente público, na medida em que,
conforme dito, as ausências temporárias decorrentes de afastamentos ou
readaptações por razões de saúde são eventos previsíveis ainda que por
aproximação estatística. A falha gerencial no dimensionamento da demanda
certamente não é situação excepcional a justificar a contratação temporária de
trabalhadores sem vínculo efetivo com a administração.
Por outro lado, o requerente nada
disse, nem provou, sobre a excepcionalidade do grande número de afastamentos.
Sem a argumentação e a imprescindível comprovação de que a carência de cerca de
594 profissionais foi causada por evento imprevisível e extraordinário (um
epidemia, por exemplo), fica reforçada a situação de normalidade que deveria
ter sido enfrentada por atos de gestão regulares, sem apelo às regras
aplicáveis apenas em situações estreitas, muito bem definidas de
excepcionalidade.
Em relação ao PROJOVEM, a inicial não
detalha tal programa, sua finalidade nem meios. Portanto, é impossível
confirmar a afirmativa feita pela requerente que se trata de programa
esporádico. A mera circunstância de o programa “depender” de recursos da União
não o torna temporário, pois, se ele versar sobre atividade pública primária,
sua execução pelo Município será obrigatória.
Quanto aos “trabalhos realizados pela
Secretaria Municipal de Família e Assistência Social – Direito à moradia e
assistência aos desamparados”, a atividade de “análise e inclusão das famílias
que preenchem os requisitos delineados em lei” é intrínseca ao Estado. Não é
possível dissociá-la da finalidade principal, pois ela é instrumental à
política habitacional local.
Sobre a Fundação Municipal Cultural
Jornalista Oswaldo Lima, Museu Histórico e Centro de Eventos Populares, a
inicial não contém quaisquer dados que caracterizem as atividades desempenhadas
pelo pessoal temporário, de modo a impedir qualquer conclusão sobre o risco de
ruína social alegadamente criado pelo Juízo da 4ª Vara Cível.
Por fim, pertinente aos serviços de
saúde, o próprio requerente afirma que foram afastados coordenadores de
programas de combate à tuberculose, às DST, ao HIV, à Síndrome de Alzheimer,
bem como do Centro de Referência do Trabalhador. Ora, nenhuma dessas atividades
médicas ou profiláticas pode ser considerada passageira, pois todas são
ordinárias, comuns à atuação estatal no campo dos serviços de saúde.
Tal como exposto anteriormente, apenas
se comprovado evento singular, como uma epidemia, seria cabível reconhecer a
excepcionalidade da situação apta a justificar a contratação temporária.
Também é relevante ressaltar que o
Juízo da 4ª Vara Cível apontou razões específicas para reconhecer a falta de
excepcionalidade do quadro.
A propósito, confiram-se os seguintes
trechos:
“Não obstante, a
amplitude e a natureza das funções estipuladas denotam que os cargos
oferecidos, com exceção do referido na alínea ´h´, não se encontra na
excepcionalidade prevista na Carta Magna, revelando atividades permanentes que
deveriam ser desempenhadas por servidor público. Há cargos de professor
Substituto (20 cargos), mediador - 50 cargos (fls. 37), interprete de libras -
20 cargos (fls. 39), orientador de biblioteca braile (fls. 40), cuidador - oito
cargos (fls. 42), preparador físico (fls. 44), dentre tantos ouros previstos
nos editais.
A magnitude
dos editais (com dezenas de cargos diversos), a quantidade (mais de mil
cargos), e a forma de contratação (todos por currículo e entrevista), publicados em curtíssimo período de tempo, e logo após amplo concurso realizado,
configuram verdadeira violação aos [sic] princípios constitucionais, colocando em risco à [sic] continuidade dos serviços públicos, perpetuando a
temporariedade e frustrando a regra do concurso público” (Doc. 04).
Também está presente o risco reverso. O
prolongamento de contratações que o Judiciário, ao menos em caráter liminar,
considerou inválidas, cria dois tipos de expectativa inadequadas. Para os
ocupantes dos cargos, há a instabilidade jurídica de sua condição, que poderá
ser alterada a qualquer momento e sem a proteção trabalhista ordinária. Quanto
ao ente público, a permanência de regimes de contratação aparentemente
inválidos reforça tolerância e dependência perniciosas às regras da legalidade
e da eficiência administrativa.
Ante o exposto, nego seguimento à suspensão de liminar (art. 38 da Lei 8.038/1990).
Fica prejudicado o exame da medida
liminar pleiteada.
Publique-se. Int..
Brasília, 18 de dezembro de 2012.
Ministro Joaquim Barbosa
Presidente
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