Artigo publicado nesta quarta-feira, 26/04 no Blog Opiniões (aqui)
Sonho de várias gerações, a Universidade Estadual do Norte Fluminense é fruto do encontro da mobilização popular com a utopia de Darcy Ribeiro. Já nos anos 60 do século passado a universidade era realidade tão palpável que a usineira Maria Queiroz de Oliveira, a “Finazinha Queiroz”, também conhecida como “rainha da bondade”, deixara em testamento o seu casarão no alto da Rua Baronesa da Lagoa Dourada (Villa Maria), para sediar a futura instituição de ensino superior. Duas décadas depois, por ocasião da elaboração da Constituição Estadual, em 1989, uma emenda de iniciativa popular liderada pelo professor Mário Lopes Machado reacendeu a campanha pela universidade. O governador da época, Wellington Moreira Franco, inclusive sancionou lei, nomeou reitor… Mas a intenção morreu no papel.
Posta na letra fria da lei a instituição só ganharia viabilidade política poucos anos depois, na esteira da ascensão do jovem promissor Anthony Garotinho, então prefeito de Campos, que em busca de projeção estadual inseriu a reivindicação como uma das principais do movimento batizado de “grito do interior”. Por duas ou três vezes, milhares de pessoas levadas em dezenas de ônibus fretados pelas prefeituras da região invadiram a capital do Estado para mostrar que do lado de cá ponte Rio-Niterói tinha mais Estado do Rio de Janeiro.
No último dos protestos, uma comissão encabeçada por Garotinho e composta de lideranças regionais foi recebida no Palácio das Laranjeiras pelo então governador Leonel Brizola. Houve outros marcos iniciais de criação da Uenf, mas creio que este foi o primeiro passo efetivo para criação da universidade . O segundo, e talvez mais importante, foi quando a tarefa sobre entregue ao educador Darcy Ribeiro. Mineiro de Montes Claros, Darcy já tinha criado a Universidade de Brasília nos anos 60 e, “plantado universidades pelo mundo”, como gostava de dizer, durante seu exílio imposto pelo regime militar.
A primeira reunião de trabalho da nascente Universidade Estadual do Norte Fluminense ocorreu num feriado — não sei se de Corpus Christi ou Páscoa — no auditório do Palácio da Cultura, quando conhecemos os que iriam efetivamente implantar a Uenf, ou seja, o próprio Darcy Ribeiro, o professor Wanderley de Souza (que seria o primeiro reitor) e a professora Gilca Weinstein, principal executiva e que presidiria a Fundação Estadual do Norte Fluminense (Fenorte). A comissão contava ainda com alguns campistas, sendo o destaque para a professora Ana Lúcia Boynard, que fazia a ligação entre a Prefeitura e os organismos do governo do Estado e teve papel gigantesco em todo o processo.
Ponto fundamental entre a utopia de Darcy — que já nesta época discorria com a eloquência habitual sobre os cientistas do mundo inteiro que atrairia para a “sua” universidade, que já batizara de “Terceiro Milênio” — foi a decisão do então prefeito Sérgio Mendes de desapropriar o terreno de 50 mil metros quadrados localizado na Avenida Alberto Lamego e doá-lo para a implantação da Uenf. O gesto garantiu o caminho sem volta naquele delicado momento em que se debatia a viabilidade do projeto.
Entre a iniciativa do professor Mário Lopes, o “Grito do Interior” e a aula inaugural proferida pelo jurista e então chefe do Gabinete Civil do governo Brizola, Carlos Roberto Siqueira Castro, em 16/08/1993, passou-se um tempo surpreendentemente pequeno para a grandeza e reconhecimento que a universidade ganhou no Brasil e no mundo. Mas o que surpreende de verdade é que, tão pouco tempo depois a mais importante conquista da região em todo o século XX esteja em real risco de desaparecer como consequência do desmantelamento geral da máquina pública do Estado do Rio de Janeiro.
Está na hora de um novo grito. É hora de garantir a conquista no grito, por meio de uma ampla mobilização de toda a comunidade regional para que a Uenf, conquistada na manifestação popular, seja também salva e mantida pela legítima aspiração do povo dos municípios do Norte e Noroeste Fluminense.
Ricardo André Vasconcelos
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