Da Folha on line (aqui):
Kapi: última entrevista
Aloysio Balbi
Neste sábado, a partir das 19h, na sede do Sindicato dos Servidores da Educação Federal (Sinasefe), localizada na rua Álvaro Tamega, nº 132, será realizado um imperdível Sarau em homenagem póstuma a Antônio Roberto de Góis Cavalcanti, o Kapi, que morreu há um mês, em 2 de abril. Tão imperdível quanto será a exibição hoje, às 20h30, com reprise às 23h, na PlenaTV (canal 24 da Viacabo e canal 3, da VerTV) da última entrevista dada por Kapi, um mês antes de sua morte, que nunca foi ao ar.
A entrevista foi dada ao jornalista Aluysio Abreu Barbosa na sala de Fátima Castro, diretora da Casa Irmãos da Solidariedade, onde Kapi estava internado. Com uma hora e meia de duração é o resumo da vida de um artista que iria completar seis décadas em junho deste ano, que não apareceu repentinamente no cenário da nossa cultura e não partiu de pé ante pé.
Em uma hora e meia, Kapi revisitou todos os passos de sua vida, alguns em terras férteis e outros em terrenos movediços. Falou da cultura em Campos, sobre o Fundo Municipal de Cultura, do atual momento político do município, de religiosidade e da relação com a família e amigos. A entrevista foi editada pelo próprio jornalista Aluysio Abreu Barbosa, juntamente com o também jornalista Antunis Clayton e o técnico de vídeo e áudio Aldo Viana.
Em tom cazuziano, a entrevista merece ser vista e revista. A voz pausada do entrevistado, devido ao seu estado de saúde, não conseguiu desacelerar a lucidez do seu pensamento, que protagonizou as principais vertentes culturais vividas em Campos: teatro, poesia, música e carnaval.
Aluysio Abreu Barbosa, que tinha em Kapi um irmão com quem ao longo de mais de 20 anos trocou gestos de solidariedade e de parceria na arte, conseguiu um histórico registro da vida de um artista que passou a recente história da cultura de Campos a limpo em um papel que ele parece ter deixando para desempenhar no final: a de crítico. O que Kapi pensava dos ex-amigos de teatro que hoje estão no poder? Que ideologia Kapi quis para viver? Tudo está na entrevista.
Kapi pode ser considerado um herói da cultura que morreu de overdose de vida e de arte. Seu ar era a arte e na entrevista ele conta por que se sentiu asfixiado nos últimos anos, a partir de janeiro de 2009. Falou do momento político presente da cidade e projetou também o futuro de Campos. Mexeu na mobília do museu sem grandes novidades e de ideias que não corresponderam aos fatos.
Com uma paixão tão desenfreada e talvez até cruel pela arte, Kapi a viveu exageradamente. Para Aluysio Abreu Barbosa, ele era um artista múltiplo, épico e lírico, de rara sensibilidade e que compreendia tão bem Campos, quando muitas vezes não era compreendido pela sua própria cidade. Embora indiscutivelmente tenha corrido na raia da genialidade, nunca teve pódio oficial de chegada e, por opção, nem beijo de namorada.
Kapi mostrou a cara de Campos nessa entrevista, não como se ela fosse uma espécie de pátria desimportante; muito pelo contrário. Falou dos convites para festas pobres, de gente que lhe negou um cigarro e porque nunca lhe elegeram chefe de nada. O artista que nunca usou a navalha no lugar do cartão de crédito concedeu uma entrevista que pode ser considerada cortante.
Viu TV a cores na taba dos índios, conduziu poesia nas areias do Pontal de Atafona, letrou melodias, interpretou e dirigiu textos próprios e alheios. Em sua última fala para o público, Kapi só mudou o tom — a voz um pouco arrastada pela doença —, mas não o discurso. São suas próprias palavras com direito à sua imagem de um artista maior que a tela, cuja pele foi deixada em cada palco.
A entrevista é imperdível e merece aplausos, como aqueles que Kapi recebeu durante toda sua vida e mesmo em sua morte, na última despedida dos amigos, colegas e admiradores, no Cemitério do Caju. E se você achar que, com a morte, o grande artista foi derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados — porque o tempo, o tempo não para.
01/05/2015 10:55
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