Da Edição de hoje (10/02/2014) de O Diário (veja aqui e a abaixo a versão on line):
'Fiz o que determina a Constituição'
Publicado em 10/05/2014
|
Paulo Renato Pinto Porto
O fim da polêmica greve do transporte coletivo no município campista teve no promotor Marcelo Lessa Bastos, 44 anos, da Segunda Promotoria de Tutela Coletiva de Campos, um agente público que logo não hesitou em arregaçar as mangar para, em nome do cumprimento da lei, desmascarar um movimento orquestrado, ao mesmo tempo solucionar o problema numa atuação integrada com a prefeita Rosinha Garotinho. "Não inventei nada. Fiz o que determina a Constituição, que preconiza a atuação harmônica entre os agentes públicos em suas esferas de poder", disse. Carioca, mas já integrado a Campos há mais de 20 anos, Lessa não se exime em assumir como suas as demandas que lhe dizem respeito. "Não consigo fazer diferente. Dizem que gosto de holofotes, mas não é nada disso. É que assumo algumas determinadas demandas que despertam natural interesse da mídia, como foi também no episódio dos diques. Eu poderia fingir que não é comigo, como no caso da greve dos ônibus, e dizer que se tratava de uma mera questão trabalhista entre patrão e empregado. Não poderia me omitir num problema que me diz respeito, que é de minha responsabilidade. Tenho que assumir como meu dever e proteger os direitos da população dentro do que dispõe a lei", explicou.
O Diário (OD) - O que ficou de mais positivo além deste conjunto de ações entre o Ministério Público (MP) e o Poder Executivo que pôs fim a uma greve considerada ilegal e contaminada por interesses menores?
Marcelo Lessa (ML) - Entre elas, a de que como representante do MP, qualquer que seja o gestor público sabe que terá o nosso respaldo para fazer a coisa certa buscando uma solução conjunta no cumprimento da lei para o atendimento à população. Tudo isto, sem que haja interferência entre as duas esferas. Nem eu interferi na esfera de competência da prefeita, nem ela na minha. Ninguém perdeu a independência ao atuar de forma integrada e harmônica.
OD - Esse tipo de ação conjunta é uma regra ou exceção na atuação do MP?
ML - Já houve por diversas ocasiões esse tipo de situação não apenas aqui, mas em outras cidades no País. Não inventei nada, apenas fiz uso de minhas atribuições dentro do que preconiza a Constituição Federal, que prevê a atuação integrada e harmônica entre os agentes públicos e as diferentes esferas de poder quando está em jogo o interesse da população na busca de uma solução rápida e eficaz. A regra não deve ser o litígio, mas o acordo em nome do interesse público. O que a população queria: que os ônibus voltassem a circular. O que a população quer: ônibus com mais conforto e dentro do horário, o que virá com a licitação.
OD - Quando o senhor identificou que a greve era um movimento orquestrado entre patrões e empregados?
ML - Havia dezenas de trabalhadores na garagem de uma empresa de ônibus. Trabalhadores em greve dentro das dependências da empresa? Onde já se viu? Houve situações em que empregados assinavam livro de ponto. Isso mesmo, trabalhadores em greve assinando livro de ponto. Cobradores que reclamavam de que em seus salários eram descontados a quantia levada do roubo quando o ônibus era assaltado, funcionários que reclamavam de atraso nos salários ou que não estavam sendo depositados os valores de seu FGTS, de repente se aliaram aos patrões com um discurso defesa dos seus empregadores. Dizer que não foi um movimento pactuado entre ambas as partes é querer fazer pouco caso de nossa inteligência. Tivemos um locaute das empresas de ônibus, algo que estava apenas nos livros, mas que aqui ocorreu na realidade.
OD - Houve quem se queixasse de abuso de autoridade nas ações dentro das garagens...
ML - A Justiça do Trabalho considerou a paralisação ilegal. Concomitantemente, foi ajuizada uma ação cautelar com o aval do Poder Judiciário, que resultou nas buscas de provas que obtivemos nas garagens por oficiais de Justiça e do aparato policial necessário ao êxito das ações. Ali, desmascaramos o movimento com as provas de que precisávamos. Afinal, estávamos lidando com um segmento tradicionalmente avesso ao principio da autoridade, certo da supremacia do poder econômico.
OD - Como o senhor tem percebido a reação da opinião pública?
ML - Eu não me preocupo com elogios ou críticas, mas apenas em cumprir meu dever. Mas creio que a maior parte da população aprovou as nossas ações. Houve críticas, sobretudo nos blogs, mas que partiram certamente de pessoas que não usam ônibus. Tenho certeza que as pessoas que dependem de ônibus para trabalhar, estudar ou levar um filho ao médico, essas gostaram da nossa atuação.
OD - Devido a sua atuação sempre presente em questões polêmicas, algumas pessoas dizem que o senhor gosta de holofotes...
ML - Não é nada disso. Todo ser humano tem um pouco de vaidade, uns mais outros menos. No meu caso, é que eu assumo algumas determinadas ações tidas como ousadas, mas dentro de minhas atribuições, que despertam natural interesse da mídia, como foi também no episódio dos diques, agora com o problema do transporte. Eu poderia fingir que aquilo não é comigo, como no caso da greve dos ônibus, e dizer que se tratava de uma mera questão trabalhista entre patrão e empregado. Mas não sei fazer diferente, é de minha natureza. Não poderia me omitir num problema que me diz respeito, é de minha responsabilidade. Apenas cumpro meu dever de proteger os direitos da população dentro do que dispõe a lei. Não me envaideço de nada, apenas cumpro meu dever. Quando entendo que devo convocar uma entrevista coletiva para explicar à população sobre nossas ações, não faço com outra intenção se não a de dizer a mesma coisa para todos os veículos, sem privilegiar ninguém, além de evitar falar a mesma coisa várias vezes.
OD - O senhor sentiu algum receio em relação à sua segurança pessoal depois deste episódio?
ML - Não... Nenhum receio, confio no serviço de inteligência da Polícia Militar, e sempre tive uma oferta de apoio espontânea por parte deles, sem precisar recorrer à cúpula na capital. Sempre resolvo qualquer solicitação direto com o comandante e tive sempre boa vontade de todos.
OD - Saindo do assunto relacionado ao transporte público, outra demanda em que o MP teve participação diz respeito à ocupação espaço público na área central de Campos, uma demanda social complicada, não?
ML - Sim, houve um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e outra ação conjunta que levou à remoção do comércio ambulante para outra área construída especificamente para a atividade. É uma questão delicada porque de um lado há a reclamação do comércio tradicionalmente estabelecido, mas ao mesmo tempo entendemos que se trata de uma questão de sobrevivência dos camelôs que precisam dali retirar seu sustento. Recebemos também muitas críticas dos blogs, mas trata-se de um comportamento típico de quem apenas critica sem ter solução alguma para um problema que não é de fácil ou simples solução. Um problema complexo.
OD - Ainda na área central houve a definição da preservação dos prédios históricos, outra demanda na qual o MP dentro de sua esfera teve atuação destacada...
ML - Antes, havia um vácuo onde não se previa uma definição do que era ou não prédios de valor histórico em Campos. Escolhia-se aleatoriamente uma rua e se enquadrava todo aquele casario como patrimônio histórico, sem uma análise técnica. Essa definição sempre foi postergada, mas desde 2001 instauramos um Inquérito Civil Público, algum tempo depois fizemos uma audiência pública, a prefeitura montou uma equipe técnica que concluiu pela definição de 54 prédios que serão preservados.
OD - Como o senhor tem visto a população pedir, nas últimas manifestações de rua, o arquivamento da PEC 37, que limita as ações de investigação do MP?
ML - Acho muito positivo esse respaldo da sociedade e o seu entendimento quanto à importância do MP. Foi importante porque num primeiro momento houve esta tentativa do Congresso em limitar as ações ou exercer certo controle sobre o MP, mas logo os congressistas recuaram a perceberam que a sociedade tomava outro rumo e emitia uma clara mensagem de apoio ao órgão. Isso é muito positivo.
OD - Como o senhor tem observado essas manifestações de protesto que têm se acirrado e com previsões de que este acirramento se endureça durante a Copa do Mundo?
ML - Acho um movimento positivo a manifestação. A população tem o direito de se manifestar e reivindicar seus direitos. Acho natural também que políticos ou partidos queiram tirar proveito dos movimentos, faz parte. Só não posso concordar com provocadores, confusão e baderna daqueles que vão às ruas para queimas pneus, depredar bancos, prédios públicos ou sitiar uma prefeitura, decretando que ali ninguém entra e ninguém sai. Desta forma, não considero manifestação, mas crime ou dano ao patrimônio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário