domingo, 15 de setembro de 2013

"POPULISMO ALIENANTE"

 

Demitido após crítica revela como a Cultura de Campos é por dentro

O Museu Histórico de Campos serve “à realização de eventos espaçados e exposições políticas que inflam o ego da presidente” da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), Patricia Cordeiro. Essa agenda seria ditada com “muitos gritos e, quando há contrariedade, ameaçam”. O Arquivo Público Municipal “está em estado vegetativo”. O Museu Olavo de Carvalho “está fechado e a FCJOL fala em reforma”. A Biblioteca Municipal Nilo Peçanha, embora “entupida de ótimas ideias”, “não recebe investimentos”. E o Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop), erguido ao custo de R$ 100 milhões dos cofres públicos municipais, está “entregue a feiras de automóveis”, usado apenas eventualmente para um “carnaval feio, onde escolas de samba do Rio cobram cachês ilógicos”. Se vista de fora a condução da cultura de Campos, centralizada pela prefeita Rosinha (PR) na FCJOL, já vinha sendo alvo de muitas críticas, como as que fizeram Artur Gomes (aqui), Adriano Moura (aqui), Deneval de Azevedo Filho (aqui), Arthur Soffiati (aqui), Cristina Lima (aqui), José Sisneiro (aqui), Antonio Roberto Kapi (aqui), Ricardo André Vasconcelos (aqui) e, mais recentemente, o petista Makhoul Moussallem (aqui) e vereador Rafael Diniz (aqui), também quem viu de dentro como as coisas funcionam, ou parecem não funcionar, guardou péssimas impressões. Gaúcho radicado na planície goitacá desde 2009, o escritor e historiógrafo Cristiano Pluhar trabalhou no Arquivo Público, onde publicou dois livros sobre a história do município, e ajudou a fundar o Museu de Campos, até ser desligado sem maiores explicações, em 2012, após ter feito um comentário considerado “deselegante”, nas redes sociais, à atuação de Patricia Cordeiro na presidência da FCJOL.


Folha Dois – Seu testemunho (aqui) sobre como funciona, ou não funciona, a estrutura municipal de cultura, causou impacto nas redes sociais. Por que resolveu trazer a público essas questões internas?
Cristiano Pluhar - Desde novembro de 2012, me afastei das atividades que desenvolvia no Museu Histórico de Campos dos Goytacazes. O posicionamento crítico se iniciou nesse período. Quem acompanha minha lida no site “Histórias dos Campos” ou a coluna “Histórias dos Campos dos Goytacazes”, no jornal virtual O Campista, comprova o fato, nada oportunista.
Folha – Logo no início do seu texto, você cita os questionamentos feitos na imprensa à cultura do município. Encontrou neles o meio propício para externar também suas críticas?
Cristiano - Como mencionei: não se trata de aproveitar de uma situação. A expansão do pensamento ocorreu, simplesmente, por interesse da sociedade cultural campista e também da mídia local.
Folha – Sinceramente, daria publicidade aos seus questionamentos sobre a estrutura pública da cultura municipal se não tivesse sido dela desligado? Como foram as circunstâncias da sua saída? Ela se deu mesmo por conta de um comentário no Facebook?
Cristiano - É clichê óbvio afirmar que “mamei na teta” do governo. A sociedade desconhece minha história nos Campos dos Goytacazes. Em abril de 2007, em uma comunidade do escritor Charles Bukowski, no “falecido” Orkut, conheci minha atual esposa. No mês de julho do ano seguinte passei três semanas na cidade e, entupido de amor, decidi que aqui residiria. Assim, no dia 20 de janeiro de 2009, me estabeleci. Enlouquecido, busquei diversas possibilidades trabalhistas. As “coisas” não aconteciam e meu retorno ao Rio Grande do Sul se aproximava. Um dia, fui ao Palácio da Cultura no intuito de dialogar com algum membro da secretaria municipal de Cultura. Para minha surpresa, o órgão, naquele momento, estava alocado no Teatro Trianon. Desconhecia o trajeto até o local. Uma guarda municipal, solícita, me indicou o caminho e mencionou a existência da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. Ela me levou até a secretária do presidente, na época, Avelino Ferreira, e consegui agendar uma conversa com o mesmo. Perdi algumas viagens por conta dos compromissos do presidente da FCJOL. Até que, num final de tarde, conversamos por mais de duas horas. Desde maio de 2001, trabalho com pesquisas em História. Na época, meu currículo carregava uma publicação, como coautor, sobre a ferrovia no município de Santa Maria, região central do RS, intitulado “Memória Cidadã: Vila Belga”, de 2002, além de um livreto de contos, “Sobre o gostar”, de 2006; e outro de poemas “Espasmos”, de 2008. Os dois últimos lançados de modo independente. Apresentei diversas possibilidades a Avelino Ferreira que, felizmente, me ofertou um trabalho no Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes, atual Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho.  Portanto, minha história dentro da FCJOL, em momento algum, apresenta qualquer favorecimento político. Frisando o questionamento: leiam os dois últimos parágrafos do livro “Campos Capital? Os interesses econômicos e políticos distantes do povo”, lançado em maio de 2010 e disponível na Biblioteca Municipal Nilo Peçanha e no Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, e observarão intensas contestações. Após mais de três anos desenvolvendo pesquisas e valorizando a lida dos poucos estagiários, lancei mais um livro em coautoria com o então estagiário José Victor Nogueira Barreto, e me transferiram, sem poder de escolha, ao Museu Histórico de Campos dos Goytacazes. Lá, juntamente com Carlos Freitas e Graziela Escocard, fundei o Museu. Em parceria com a, na época, estagiária Alba Vieira, criei o circuito expositivo “Campos dos Goytacazes através dos tempos” que norteia as visitas guiadas. No final de Junho de 2012, meu contrato com a empresa terceirizada foi interrompido e, por vontade própria, me transferi ao Reda, interrompido em agosto do mesmo ano pelo STJ. Na esperança de reversão, permaneci na instituição até novembro. Percebendo que não receberia os salários, simplesmente, me afastei do Museu. As conversas versavam na recontratação dos trabalhadores após o início do segundo mandato da atual prefeita. Não me convidaram. A explicação versou em torno de algum comentário “deselegante” que teci contra a presidente da FCJOL, Patricia Cordeiro. Não sei qual comentário. O que afirmo categoricamente, é que ocupava um espaço desejado por outros pesquisadores. Não falo do cargo no Museu; cito sobre minha atuação na historiografia campista.
Folha – Você escreveu que todo o discurso oficial em resposta às críticas à “debilidade das ações culturais de Campos” têm sido no sentido de se enaltecer um governo populista. Concorda então com o professor Arthur Soffiati, que citou o pensador francês Abraham Moles para considerar a política cultural goitacá “populista” e “autoritária”?
Cristiano - O populismo é alienante. O autoritarismo vem atrás, disfarçado de vítima.
Folha – Em relação a esse suposto autoritarismo, você afirmou que seu nome passou a ser “repudiado” na FCJOL, após sua saída, com antigos companheiros de trabalho chegando a se afastar pessoalmente, por receio de perseguição. É realmente sob esse clima que vive quem trabalha na cultura pública do município?
Cristiano - Não generalizo. A maioria dos trabalhadores do Museu Histórico de Campos dos Goytacazes me respeita em âmbito pessoal e profissional. Não digo o mesmo sobre o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. Em 2010, durante a 6ª Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes, ouvi comentários que menosprezaram a grande vendagem do livro “Campos Capital? Os interesses econômicos e políticos distantes do povo”. Este ano, em a palestra “Os Campos dos Goytacazes na História do Brasil”, cujo público era formado por professores da rede pública municipal de Educação, percebi que cargos importantes evitavam conversar comigo. Sinceramente, achei e acho muito engraçado.
Folha – Você viveu a transição dos dois governos Rosinha. Quando, como e por que as coisas foram chegando ao nível de hoje na cultura?
Cristiano - Valorizo muito o período presidido por Avelino Ferreira. Creio que a sinceridade extremada seja a responsável por sua retirada do principal cargo da FCJOL. Mesmo repleto de contrariedades ideológicas, respeito Avelino por sua personalidade brutal. Após a chegada da atual presidente, notei uma supervalorização midiática e sem reflexo cultural à sociedade. Mantenho a ideia de que os shows de artistas sem arte servem aos vendedores de cervejas que evidenciam o alto índice da informalidade profissional ou, se preferires, o desemprego.
Folha – A última reforma administrativa da prefeita, que concentrou toda a administração cultural do município na FCJOL, foi questionada dura a abertamente, além de Soffiati, por Artur Gomes, Adriano Moura, Deneval de Azevedo Filho, Cristina Lima, José Sisneiro, Antonio Roberto Kapi, Ricardo André Vasconcelos e, mais recentemente, por Makhoul Moussallem. E você?
Cristiano - Na minha simplória opinião, a concentração de poder não é benéfica aos Campos dos Goytacazes. Todavia, seguindo o raciocínio, reflito sobre a atuação institucional anterior ao reformismo: a Fundação Zumbi dos Palmares, por exemplo, publicou, livros de “História” sem referências bibliográficas ou com míseras 5 bibliografias. Ou seja, a história campista é relatada sem critérios.
Folha – Ricardo André denunciou que a cultura no governo Rosinha prioriza os shows de nomes nacionais para levar gente às ruas e se criar na cidade um clima de comício eleitoral permanente, opinião endossada por Makhoul e, na Câmara, pelo vereador Rafael Diniz. Pelo que viu de dentro, o que pode dizer?
Cristiano - Costumeiramente, afirmo que o povo brasileiro é idiotizado pelos detentores do poder. Também digo que é uma grande mentira histórica a ideia de que o gaúcho é o povo mais politizado do Brasil. Contudo, não recordo de gastos públicos naquele estado com shows de custos irreais. Aqui é algo que erroneamente tornou-se comum.
Folha – Ricardo disse ser preciso “despatricizar” a questão cultural. Qual o limite entre a pessoa de Patricia e a política de Rosinha na cultura local?
Cristiano - Prefiro focar na atuação dos órgãos subordinados da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. O Museu Histórico de Campos dos Goytacazes serve à realização de eventos espaçados e exposições políticas que inflam o ego da presidente. Muitos gritos, quando há contrariedade, ameaçam. Trabalhadores de uma empresa terceirizada lá estão e outros, antigos do Reda, foram inseridos no tal RPA. Existem, também, DAS. Outra instituição, o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho não recebe investimentos; além da questão paternalista que lá reside. Importantíssima instituição está em estado vegetativo. O Museu Olavo Cardoso está fechado e a FCJOL fala em reforma. A Biblioteca Municipal Nilo Peçanha é entupida de ótimas ideias que não recebem investimentos. Para finalizar, o Centro de Eventos Osório Peixoto, Cepop, entregue a Feiras de automóveis, com carnaval feio, onde escolas de samba do Rio de Janeiro que cobram cachês ilógicos. No final do mês de agosto, o Cepop recebeu a II Semana do Folclore, durante 3 dias, na intenção de valorizar a cultura distante, e assim permaneceu, da população campista.
Folha – Em relação especificamente ao abandono do Arquivo Público, instalado no Solar dos Jesuítas, leu a matéria da Folha do último dia 10, noticiando o depósito de garrafas pet, material altamente inflamável?
Cristiano - A matéria mencionada expõe mais um problema da instituição. A falta de mão de obra é clara. Porém, o mais grave é o paternalismo engessado que privilegia currículos em detrimento das ações culturais benéficas à sociedade.
Folha – Como um professor de história e escritor gaúcho enxerga com os olhos de fora a cultura deste “viridente plaino goitacá”, após tê-la vislumbrado de dentro? Como essa visão está expressa nos seus livros sobre a história do município, “Campos Capital? Os interesses econômicos e políticos distantes do povo”, de 2010, e “O preconceito estampado”, de 2011, escrito em parceria com José Victor Nogueira Barreto?
Cristiano - Nunca trabalhei na área cultural com investimento significativo. Independente, busco alternativas. Exemplo é o livro “Campos Capital? Os interesses econômicos e políticos distantes do povo”. Não havia verba para publicação. Assim, minha esposa, Goreti Maia Pluhar, criou a capa, diagramou e imprimi em uma impressora “caseira”, dobrei as páginas e grampeei. Quase 500 exemplares foram vendidos pela Associação Cultural do Arquivo. Já o livro “O preconceito estampado”, lançado em 2011, novamente minha esposa criou a capa e, surpreendentemente, contrataram uma gráfica que produziu uma tiragem de 200 exemplares. Ambas obras foram motivadas pelo desconhecimento social do fato histórico. O primeiro livro, após vasta pesquisa nos principais jornais campistas a partir da segunda metade do século XIX (1855, perdurando até o final do século XX), revelou as tentativas da Cidade dos Campos dos Goytacazes em se tornar Capital da Província do Rio de Janeiro e, posteriormente, sede administrativa de um novo Estado: o Estado de Paraíba do Sul. Já “O preconceito estampado” traz notícias dos principais jornais campistas, no período entre 1930 e 1954, tempos de Getúlio Vargas, com exceção do Governo Dutra, de 1946 a 1951, que evidenciam o repúdio de uma sociedade conservadora com as práticas religiosas de origem africana. O interesse pela questão surgiu logo após minha chegada aos Campos dos Goytacazes. Pessoas com relativa intelectualidade, afirmavam que a Cidade não se desenvolvia, ou não se desenvolve, por conta das maldições deixadas pelos escravos africanos. Sem pretensão, creio que meus livros tratam a História campista de forma entendível ao cidadão campista. Além disso, fontes pouco valorizadas pelos memorialistas e até mesmo historiadores, buscam a dificílima verdade histórica. Outro objetivo foi e é o choque rude com o moralismo elitista ou religioso hipócrita.
Folha – Pergunta do Soffiati agregada (aqui) à pauta geral: se você fosse convidado a organizar o setor cultural de Campos, quais seriam as suas ações?
Cristiano - Não tenho competência intelectual para ofertar propostas nas diversas áreas culturais. Todavia, no que confere ao meu trabalho de historiador, idealizo a criação de um Centro de História Oral que fortalecerá a identidade local e reconhecerá o campista como importante agente histórico. A lida, inicialmente, versará em torno da História dos distritos e bairros dos Campos dos Goytacazes. Outra possibilidade que observo, é a abertura real para pesquisa de documentos abrigados no Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, além da digitalização do acervo. Uma questão que necessita urgente reflexão versa sobre a valorização educacional da História dos Campos dos Goytacazes.

Da edição impressa de hoje da Folha da Manhã (Folha 2, capa e página 2) e Blog Opiniões (aqui)

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