sábado, 23 de maio de 2015

PARA ENTENDER A QUESTÃO DO MERCADO MUNICIPAL

                                                    Foto de João Pimentel em 04/09/2010 (Camposfotos.blogspot.com)

O professor Renato Siqueira, recém eleito diretor-geral do Observatório Social de Campos dos Goytacazes, escreveu artigo didático sobre a polêmica envolvendo o entorno do Mercado Municipal. Abaixo o texto, imprescindível para quem quer participar do debate:


Do Instituto Histórico e Geográfico de Campos à David Harvey sobram motivos para questionarmos a polêmica e precipitada conclusão do ICP 156/2014.

No dia 14 de maio deste, o Jornal Folha da Manhã, publicou dois artigos polarizados em suas argumentações sobre o destino das obras do Mercado Municipal e o seu entorno urbanístico que envolve os permissionários e a preservação do patrimônio histórico cultural, um do advogado José Paes Neto e o outro do Exmo. Sr. Promotor Marcelo Lessa. A seguir o historiador Aristides Soffiati, ofereceu fartas provas de violação da proteção do bem histórico definidas no Plano Diretor Participativo, além das que constam o ICP, em especial ao seu entorno urbanístico, que aliás, é tão significativo quanto ao próprio patrimônio histórico, sendo indissociáveis. Estes argumentos apresentados pelo advogado e pelo historiador, se somam aos inúmeros esforços descritos nas representações feitas no Inquérito Civil Público (ICP) 156/2014 pelo Instituto Histórico e Geográfico de Campos, pelo Observatório Social de Campos e pelo INEPAC, algumas delas feitas pessoalmente por mim, ainda em mídia de jornal, rádio, televisão e internet. Entretanto, o Ministério Público não os colheu - optando pelas declarações da Prefeitura, que entendemos pouco fundamentadas, sobre as quais faremos as nossas considerações a seguir - negando a realização da Audiência Pública pretendida, com o intuito inclusive de ouvir os afetados diretamente, os permissionários, que vivem momentos de apreensão e insegurança, sobre os quais somos conhecedores e atentos, na medida em que temos feito apontamentos em nossas participações de que as soluções existem nos projetos arquivados na Prefeitura, desenvolvidos desde 2003.

Não estarei falando das leis, pois já foram citados todos os capítulos relevantes ao caso, com as suas respectivas violações. Estaremos falando que não haveríamos de aguardar o tombamento do INEPAC para o cumprimento das leis de proteção ao patrimônio e as adequações das atividades de forma equilibrada, pois há o ato de tombamento do COPPAM em 2013.


DA PETIÇÃO INICIAL:

O Instituto Histórico e Geográfico de Campos (IHGCG), em 06/2014, encaminhou representação ao MPE, alertando para os inconvenientes urbanísticos da Feira Livre e do Camelódromo, que apresentavam crescimento desordenado nas redondezas do Mercado, recém tombado pela Resolução 005/2013. Desta forma, solicitando os seus deslocamentos para locais mais adequados, deixando a escolha sob os critérios da Prefeitura, requerendo ainda Audiência Pública. Tal medida foi endossada pelo Observatório Social de Campos.

DA ABERTURA DO PROCESSO NO INEPAC e IPHAN:

Após instauração do inquérito no MPE, o Observatório Social, encaminhou petições ao INEPAC e ao IPHAN, em 08/2014, sendo imediatamente acolhidos.

DAS MANIFESTAÇÕES DO INEPAC:

Desde o início, o INEPAC demonstrou grande interesse na preservação do Mercado Municipal, havendo manifestado isto nos ofícios 004/2015 de 06 de janeiro de 2015, ao MPE, 008/2015 à Sra. Prefeita, 009/2015 ao COPPAM, e 026/2015 de 09 de janeiro de 2015, ao Observatório Social. Menciona o INEPAC ao Observatório: “Esses ofícios informam o inegável interesse cultural do Mercado Municipal de Campos para o Estado do Rio de Janeiro, já reconhecido anteriormente pelo COPPAM.”, também, no ofício encaminhado ao MPE, foi dito: “O tombamento do Mercado pelo Estado do Rio de Janeiro virá se somar ao tombamento municipal já existem criando um nível adicional de proteção do bem.”

“A abertura de um processo de tombamento, tradicionalmente, tem sido reconhecida como um ato de interesse do Poder Público pela preservação do bem em questão. Isto tem levado os órgãos públicos a se absterem de autorizarem alterações no bem ou em sua ambiência sem considerar as recomendações do órgão de tombamento. E tem sido considerado também por órgãos do Judiciário ao analisar conflitos envolvendo a sua proteção.”

“Há uma série de construções provisórias em proximidade excessiva com o Mercado...Mas a situação de provisoriedade das mesmas significa que no futuro poder-se-á chegar a uma situação mais favorável.”

“...a pretendida edificação definitiva de um mercado popular junto à sua fachada lateral e a consolidação de outra na na outra lateral...irão provocar um empachamento (fechamento da visão, emparedamento) do bem que se quer preservar. Tais considerações poderiam ter sido feitas pelo órgão de tombamento municipal. Na sua falta, cabe a este INEPAC alertar a esta Promotoria que o projeto em questão interferirá sim de forma negativa na ambiência do bem cultural.”

“Face ao exposto, solicito que seja evitada a descaracterização da ambiência do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes e sejam envidados esforços para a readequação do projeto pretendido, com a sua discussão também por este órgão de tombamento.”

DAS MANIFESTAÇÕES DO OBSERVATÓRIO:

Iniciativa de montagem da exposição itinerante “Mercado Municipal: patrimônio histórico ameaçado!”, que percorreu vários locais na cidade, inclusive em meios acadêmicos. Nesta exposição, através dos banners, foram apresentados alguns dos principais projetos, desenvolvidos desde 2003 pela Prefeitura, demonstrando soluções para o Mercado, a Feira Livre e o Camelódromo.

Em várias representações ao MPE, foram mencionados os riscos de serem realizados gastos impróprios devido a realização das obras especialmente. Bem como a existência de processo de tombamento no INEPAC e petição para paralisação das obras e realização de audiência pública.

DAS MANIFESTAÇÕES DOS PERMISSIONÁRIOS:

Não há quaisquer manifestações destes nos autos.

DO PROCESSO DE TOMBAMENTO NO INEPAC E NO IPHAN:

INEPAC:

Processo em estado avançado de tramitação, obteve apreciação do Conselho do Instituto, que qualificou o significado e a excepcionalidade do Mercado. Atualmente encontra-se na na Casa Civil para encaminhamento ao Governador. É processo sem retorno, apenas demandando a oportunidade de apreciação pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro para o efetivo tombamento.

IPHAN:

Processo efetivado e em fase menos avançada, porém, com condução interessada pelo significado do exemplar histórico.


DA CONCLUSÃO E DA DECISÃO DO MP:

Em 24/04, deste, o MPE, diz à folha 219 do Inquérito 156/2014: “Tal obra é questionada pelos noticiantes, tanto sob o ponto de vista técnico, como, não há como disfarçar até mesmo pelos personagens que subscrevem as representações, na perspectiva política. Esta última desanima a convocação de audiência pública para discutir o assunto no Ministério Público, visto que será muito pouco proveitosa. Assim, resta-me instruir os autos da forma como se pode, até chegar a uma opino, o mais breve possível.”
O INEPAC entrou em cena, mas para informar que o Mercado está “em vias de tombamento”. Ora, estar “em vias de tombamento” pelo órgão estadual não significa estar tombado, não lhe conferindo direito de impedir a realização de qualquer obra...”
Em 09 de maio deste, o Jornal Folha da Manhã, publicou: “MP libera obra no Mercado e desconsidera apelo do INEPAC”, já no dia 11 do mesmo mês, o Jornal O Diário publica: “MP libera reforma do Mercado”.


"O direito à cidade é, portanto, muito mais do que um direito de acesso individual e grupal aos recursos que a cidade incorpora: é um direito de mudar e reinventar a cidade mais de acordo com nossos mais profundos desejos. Além disso, é um direito mais coletivo do que individual, uma vez que reinventar a cidade depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo sobre o processo de urbanização".
[David Harvey]

O nosso direito à escolha para a reivenção da nossa cidade foi enormemente prejudicado pela obstrução do processo participativo pleno, quando da não realização da audiência pública, em especial quando sequer foram colhidos os depoimentos dos permissionários nos autos no inquérito, que prematuramente foi encerrado, tornando-se uma agenda mal resolvida e controversa, diante ainda da declaração explícita do INEPAC: “Tal processo se deve ao inegável interesse cultural do imóvel, por suas características arquitetônicas, a sua inserção afetiva na vida dos moradores da Cidade de Campos e sua história.”

“Temos que aprender a não nos assustar com isso também, e, como diz Mauro Luis Iasi: ‘Devemos apostar na rebelião do desejo. Aqueles que se apegarem às velhas formas serão enterrados com elas’. [Raquel Rolnik]



Não há como deter os depoimentos dos envolvidos, especialmente os que serão diretamente afetados pelas intervenções, de modo que os anúncios de supostas melhorias esbarram nas incongruências projetuais e nas evidências dos conflitos dos últimos dias, onde os permissionários do Camelódromo realizaram manifestações no espaço provisório, com obstrução do acesso por alguns minutos. O fato é que a Prefeitura adotou o surrado e desastroso procedimento de desenvolver o projeto no interior dos “gabinetes” ignorando as pessoas que desempenharão as suas atividades, desprezando sobretudo projetos melhores do que o em execução, demonstrados na exposição realizada pelo Observatório Social, em disponibilidade nos arquivos da Secretaria de Obras, um deles, deixado em 2008 pronto para o processo licitatório, que transferiria o Camelódromo para o prolongamento da Rua Barão do Amazonas, entre a Rua Tenente Coronel Cardoso e Rua Siqueira Campos. Assim, se explica um dos aspectos que demonstra a cada dia as baixas de popularidade que esta gestão acumula.

O jurista Jorge Luiz Souto Maior reflete sobre o direito social e a descriminalização dos movimentos sociais no esforço de superar a noção retrógrada de que a questão social trata-se de “caso de polícia”. “Ocorre que, adotando-se os pressupostos jurídicos atuais, os movimentos sociais, quando se mobilizam em atos políticos para lutar por direitos, não estão contrários à lei. Além disso, não podem ser impedidos de dizer que determinadas leis, sobretudo quando mal interpretadas e aplicadas, têm estado, historicamente, a serviço da criação e da manutenção da intensa desigualdade que existe em nosso país”.


Um dos argumentos do MPE para a não realização da audiência pública, foi de que “Tal obra é questionada pelos noticiantes, tanto do ponto de vista técnico, como, não há como disfarçar até mesmo pelos personagens que subscrevem as representações, na perspectiva política. Esta última desanima a convocação da audiência pública para discutir o assunto no Ministério Público, visto que será muito pouco proveitosa.”

Exmo. Sr. Promotor, não há outra forma de civilizadamente se posicionar, somos, gostemos ou não, seres políticos, assim a humanidade tem feito as suas conquistas, assim a humanidade tem evoluído, assim a humanidade tem produzido melhores lugares para viver, onde os direitos coletivos de maioria prevalecem sobre os direitos individuais, ou de pequeno grupos ou minorias, mas infelizmente não tivemos a oportunidade em manifestar esses direitos, sobretudo em não ouvir as expectativas daqueles que anseiam por soluções, não sendo difícil de presumir que não serão atingidas pelo sufocamento proporcionado no emparedamento ressaltado pelo INEPAC, ainda pela gravidade da proximidade com a edificação do Mercado, inclusive na principal perspectiva, a da Avenida José Alves de Azevedo. Esta proximidade, será responsável por suprimir a rua existente do lado da Praça Azeredo Coutinho. O transeunte ao passar pela Rua Barão do Amazonas, não terá qualquer possibilidade de contemplar o Mercado, pois haverá uma empena de fachada de 6,50m de altura, do novo Camelódromo; pelo lado da Feira Livre, haverá altura de 4,50m, não sendo suficiente argumentar que a atual deste lado é de 7,50m, pois maus exemplos, penso, não devem ser adotados como referências. Sobretudo, devemos ter em mente que na confrontação direta das escalas, a humana e a construída, a principal delas, a humana, estará muito prejudicada, visto em média possuir 1,80m.

Não, não estamos reivindicando o direito ao “deleite à distância”, trata-se de manter o cenário histórico de importante intervenção sob o domínio científico do homem para abrigar atividades laborativas que depois se desordenaram ao longo do tempo, mas que podem ser ordenadas novamente, conforme projetos existentes desde 2003, nestes espaços habitáveis e de uso coletivo, o que aliás, justifica e dá crédito à boa arquitetura por um dos princípios projetuais clássicos: a funcionalidade. Não acreditamos que seja razoável confinar o patrimônio e resolver mal e apressadamente questões sociais a custos financeiros expressivos de R$ 24.865.706,63 milhões, pelo divulgado, sendo: (R$ 14.467.768,29 - http://ricandrevasconcelos.blogspot.com.br/2013/05/pmcg-vai-reformar-mercado-em-8-meses.html ) + (R$ 412.000,00 - http://ricandrevasconcelos.blogspot.com.br/2013/09/governo-da-gastanca-estacionamento-de-r.html) + (R$ 9.985.938,34 – http://ricandrevasconcelos.blogspot.com.br/2013/05/reforma-do-camelodromo-vai-custar-r-9.html), onde tais custos poderiam ser revertidos com benefícios reais ao patrimônio e aos permissionários, especialmente sem o comprometimento patrimonial do principal equipamento urbano cultural do Centro Histórico.

“A questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoa que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e a nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos”. (http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/cidades-rebeldes)

[David Harvey]

Assim, cidadão campista, no Inquérito 156/2014, a CODEMCA menciona a título de “DA VERDADE DOS FATOS”, o seguinte (Folhas 224 e 225):

De acordo com o relatório, que segue em anexo, fornecido pela Secretaria Municipal de Agricultura, a parte interna, externa e entorno do Mercado Municipal, possui atualmente:

119 boxes internos, com 71 permissionários;
52 boxes externos, com 38 permissionários;
46 boxes de peixaria e caranguejo e Câmara Frigorífica, com 46 permissionários;
466 Bancas da Feira livre do Mercado, com 466 permissionários;
18 Bancas avulsas, com 18 permissionários;
28 Bancas de artesanato, com 28 permissionários.

Ou seja, resumindo, segundo o relatório da CODEMCA, são 729 bancas e boxes com 667 permissionários, representando a diferença de 62 boxes sem a identificação de quem os usa. Mesmo com o aludido projeto, não serão identificados ou disponibilizados aos permissionários todos os boxes?

Desta forma, como vai sendo conduzido o Mercado, continua ser uma agenda mal resolvida e contraditória, configurando o principal atentado à cultura de Campos desde o ocorrido ao Trianon no Boulevard Francisco de Paula Carneiro. Neste caso do Mercado, há condições para que todos possam participar oferecendo as melhores alternativas, com o deslocamento de parte da Feira Livre, conforme projeto de 2003, em novas, amplas e adequadas instalações, na mesma via atual, cerca de 01km de distância, aproximadamente, para que não seja transferida mais uma vez, devido ao histórico de o atual Mercado representar o quarto local, sendo em todas as vezes anteriores e nesta inclusive, terem sido motivadas as mudanças por inadequação na ocupação do solo.

Por essas razões especialmente e por acreditarmos nas possibilidades consolidadas nos projetos, de atendimento dos diversos interesses, que pediremos a reabertura do processo para que Campos deixe de ter iniciativas paliativas e passe a se orgulhar de si mesmo.


Renato César Arêas Siqueira
arquiteto e urbanista
perito técnico
professor bolsista UENF

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